Funcionários da TV Brasil afirmam que o clipe da canção ‘O Real Resiste’ de Arnaldo Antunes é alvo de censura por tratar de temas considerados sensíveis ao governo federal [1]. O vídeo, que seria exibido no programa ‘Alto Falante’, mostra cenas de violência policial, disseminação de preconceitos e cita milícias, terraplanistas – negacionistas científicos – e torturadores [2]. A EBC, estatal que controla a TV Brasil, confirma a retirada do programa da grade, bem como de outras atrações, e declara que a mudança ocorreu em cima da hora em razão da final da Copa Libertadores, no entanto, o jogo iniciou-se três horas antes do previsto para a exibição [3]. Em nota, funcionários da EBC afirmam que no lugar do programa Alto Falante foi colocado o Hypershow [4], caracterizando um episódio de censura, e que estão proibidas menções à vereadora assassinada Marielle Franco e a temas LGBTQ+ [5]. Personalidades criticam o episódio nas redes sociais, mas Arnaldo Antunes não comenta o ocorrido [6]. Vale lembrar que em São José dos Campos, a divulgação de livro com críticas ao governo é suspensa por pressão política , em Porto Alegre, a Câmara dos Vereadores suspende exposição com charges críticas à gestão Bolsonaro e, em São Paulo, policiais interrompem a gravação do clipe da artista Linn da Quebrada [veja aqui]. Diversos episódios de restrição de conteúdo marcam a atuação da EBC em 2020 também: em junho, ela realoca repórter após pergunta crítica ao Ministério da Saúde sobre a condução da pandemia [veja aqui] e ajuíza ação contra funcionários por manifestações críticas em rede social [veja aqui] e no mês seguinte, ela oculta informações sobre a situação indígena na pandemia [veja aqui]. Em setembro, funcionários da empresa reúnem mais de 130 denúncias de censura e ‘governismo’ alegadamente praticados por ela [veja aqui].
Assista ao clipe de ‘O Real Resiste’.
Assista ao clipe de ‘O Real Resiste’
Ao comentar resultado do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) aplicado em 2018 [1], o Ministro da Educação, Abraham Weintraub, afirma ser uma tragédia, em referência aos resultados ruins, que pode ser atribuída à gestão PT integralmente. Segundo ele, ‘o símbolo máximo do fracasso da gestão do PT começou quando foi construída a lápide da educação (…) que é um mural do Paulo Freire’ [2]. Também segundo o Ministro, a gestão de Michel Temer não poderia ser responsabilizada, já que ficou pouco tempo no poder [3]. Após o ocorrido, o ex-Ministro da Educação do governo Dilma Rousseff, Aloizio Mercadante, lamenta a ‘guerra ideológica obscurantista’ que estaria sendo empreendida pelo governo e comenta que o potencial brasileiro era promissor quando deixou o Ministério [4]. Vale notar que Paulo Freire, o patrono da educação brasileira, é alvo constante de ataques do governo [veja aqui].
Leia as análises sobre o desempenho do Brasil no Pisa de 2018, o pensamento de Paulo Freire e sua aplicação nas escolas públicas do Brasil.
Em discurso na Assembléia Legislativa de São Paulo, o deputado Arthur do Val (sem partido) – popularmente conhecido como ‘Mamãe Falei’ – incita líderes sindicais com frases como ‘quero ver me encarar, ô líder sindical. Eu quero pegar você (…)’ e, em seguida, chama a categoria de ‘bando de vagabundo’ [1]. As declarações – que ocorrem no contexto de tramitação da proposta de reforma da previdência – são interrompidas por deputados dos partidos PT e PSOL e seus apoiadores que adentram no plenário, iniciando-se troca de ameaças [2] e agressão física por parte do deputado Teonílio Barba (PT-SP) [3]. Em resposta, Barba afirma que sua intenção ao adentrar o púlpito era apenas interromper do Val para que cessassem as ofensas contra a platéia e completa que acionará o Conselho de Ética da Alesp para que o mandato de do Val seja cassado [4]. De outro lado, do Val – que já teria sido advertido na assembléia por referir-se a colegas deputados como ‘vagabundos’ – apresenta versão diversa do ocorrido, segundo a qual seu discurso seria uma resposta a provocações de outro deputado petista [5]. Em nota, o presidente da Alesp afirma que o incidente será analisado com imparcialidade pelo Congresso de Ética [6]; e na semana seguinte do Val é escoltado pela polícia militar até seu gabinete [7]. Vale notar que ofensas a sindicalistas [veja aqui], movimentos sociais [veja aqui] e a partidários da esquerda [veja aqui] também são comuns nos discursos do presidente Jair Bolsonaro.
Leia análise sobre o histórico de confrontos no legislativo paulista e ouça podcast sobre o papel do sindicalismo.
Ernesto Araújo, Ministro das Relações Exteriores envia artigo através do clipping do Itamaraty, no qual afirma que a América Latina vive dentro de um ‘horizonte comunista’ há cerca de 20 anos, com a ascensão de Cháves e Lula ao poder [1]. Horas depois o texto é publicado no site Terça Livre [2]. O Ministro repete sua tese contra o globalismo presente em discursos anteriores [3], que define como ‘captura da economia globalizada pelo aparato ideológico marxista através do politicamente correto, da ideologia de gênero, da obsessão climática, do antinacionalismo’ e entende ser o principal instrumento de construção do comunismo na atualidade [4]. Afirma que, apesar de o Brasil buscar o reenquadramento do liberalismo no horizonte da liberdade, o horizonte comunista ‘quer voltar a estrangular-nos’ [5]. A retórica do combate à ameaça comunista, utilizada ativamente no golpe de 1964 [6], foi promessa de campanha do atual presidente [7] e é constantemente reforçada por Bolsonaro [8]. O artigo também está alinhado com posturas anteriores do Itamaraty contra políticas de gênero [veja aqui] e do Ministro, que discursou em setembro contra o ‘climatismo’ [veja aqui].
Leia as análises sobre a eleição de 2018 e a ‘ameaça comunista’, a relação do governo Bolsonaro com o golpe de 1964 e o papel do Ministro Ernesto Araújo na diplomacia brasileira, ouça também análise histórica do anticomunismo no Brasil.
Dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação apontam número recorde na utilização da Lei de Segurança Nacional (LSN) no ano de 2019, com abertura de 28 investigações para apurar supostos crimes cometidos contra a legislação [1]. A LSN foi criada durante a ditadura militar, listando crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social e serviu para perseguir opositores do regime [2]. Vigente até hoje, ela havia sido usada em poucas situações desde a redemocratização do país [3], observando-se, nos últimos três anos, 19 investigações abertas em 2018, 5 em 2017 e 7 em 2016 [4]. Especialistas apontam que os artigos da lei são subjetivos, o que facilita a utilização em larga escala [5], inclusive servindo para ‘intimidações políticas’ [6]. Apesar da lei ter origem em um regime de exceção, em novembro deste ano, Bolsonaro afirmou que a lei ‘está aí para ser usada’ [7] e indicou que o discurso contrário ao governo do ex-presidente Lula poderia ser enquadrado na LSN [veja aqui], havendo posterior abertura de inquérito criminal para investigá-lo após pedido do ministro da Justiça, Sergio Moro [veja aqui]. Em 2020, o uso da LSN deve bater novo recorde [8], já tendo servido para instaurar 15 inquéritos no 1º semestre [9], dentre eles, um que investiga chargista e jornalista que publicaram cartum crítico ao governo [veja aqui].
Leia as análises sobre o que é a Lei de Segurança Nacional, como ela vem sendo usada contra opositores do governo, como ela representa uma herança da ditadura e as indagações apontadas em parecer que podem levar ao seu questionamento junto ao Supremo Tribunal Federal.
O Deputado Federal Eduardo Bolsonaro (PSL – SP) por meio de sua conta do Twitter afirma que ‘só o pessoal do Paulo Freire está falando mal da educação’ e do Ministro da Educação, Abraham Weintraub, também critica gestões anteriores e as acusa de roubarem ‘cuecas e merendas’ [1]. A declaração ocorre duas semanas após Weintraub publicar vídeo no Twitter admitindo a existência de erros na correção da segunda prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) [2]. O contexto de críticas aos erros nas notas do Enem é marcado ainda pela atuação do Ministério Público Federal que recomendou a suspensão do calendário do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) [3] e que ajuizou Ação Civil Pública [4]. Em resposta, o Ministério da Educação afirma que as notas daqueles que foram considerados atingidos serão corrigidas, e mantém o calendário do Sisu [5]. Vale lembrar que em janeiro, o presidente Jair Bolsonaro criticou livros de didáticos e aquilo que chama de ‘ideologia de Paulo Freire’, o patrono da educação também já foi chamado de ‘energúmeno’ pelo presidente [veja aqui], e igualmente atacado por Weintraub que se referiu ao mural de Paulo Freire como ‘a lápide da educação’ [veja aqui].
Leia análise sobre o impacto do erro nas correções do Enem e assista documentário sobre a trajetória de Paulo Freire.
Artistas relatam tentativas de censura e ameaças da Polícia Militar (PM) em shows após o Carnaval em Recife [1]. Durante a apresentação da banda Devotos, após a canção da música ‘Banditismo por uma questão de classe’ da Nação Zumbi (antiga Chico Science e Nação Zumbi), os membros do grupo são informados de que a PM ameaçou terminar o show caso houvesse mais alguma música crítica à polícia [2]. Situação semelhante ocorre na apresentação da banda Janete Saiu para Beber; nas redes sociais, o grupo musical afirma que a PM fez uma barreira entre o público e a banda e ameaçou prender o vocalista por desacato [3], afirmando que não poderiam cantar Chico Science [4]. Os artistas declaram que respeitam o trabalho da PM, mas que são ‘totalmente contra qualquer tipo de ação repressora que venha a inibir manifestações artísticas em suas variadas formas’ [5]. Ainda, na última música do show do cantor China, a PM sobe no palco para interromper a apresentação que teria ultrapassado do horário permitido; o artista afirma que a competência do cronograma dos shows é da prefeitura [6]. Em nota, a PM informa que não há proibição à exibição de músicas e que o efetivo orienta a suspensão de blocos que tenham estourado o tempo previsto para o desfile [7]. O vocalista do Devotos, Cannibal, defende que a atmosfera política tem intensificado episódios como esses, de hostilização, e afirma que é um retrocesso [8]. O Ministério Público instaura inquérito civil para apurar ‘possíveis violações à cultura da população e à liberdade de expressão e artística dos músicos’ [9]. Durante o carnaval de Belo Horizonte, também ocorre caso de interferência da PM em bloco que criticava o governo [veja aqui].
Ouça a música ‘Banditismo por uma questão de classe‘ da Nação Zumbi e leia a análise sobre o caráter político do Carnaval.
O deputado Otoni de Paula (PSC-RJ) aciona a Procuradoria Geral da República (PGR) para que seja aberto inquérito que investigue a peça ‘Precisamos Matar o Presidente’ da Companhia Blabonga de teatro por crime de incitação à violência contra o presidente [1]. De acordo com o deputado, a peça foi construída por ‘ódio ao presidente’, incita violência, prega o homicídio do chefe da nação e seu conteúdo pode ‘gestar atos criminosos em mentes vitimadas por ideologias’ [2]. Nas redes sociais o secretário especial da Cultura, Mário Frias, afirma que os integrantes do grupo ‘não são artistas, são bandidos’ e o secretário nacional de Fomento e Incentivo à Cultura, André Porciúncula, escreve que a obra é ‘o tipo de peça que uma elite militante e doentia agora desesperada com dinheiro público promove nas últimas décadas’ [3]. O grupo teatral recebe diversos xingamentos e até ameaças de morte [4]. O diretor da peça, Davi Porto, chama o ato do deputado de censura prévia e afirma que as declarações dos secretários deveriam ‘representar toda a nação e não a seus interesses obscuros ou a um determinado grupo’ [5]. Ainda, o diretor afirma que o título da peça é ‘baseado no desejo de uma das personagens’ [6], que não faz referência direta ao presidente Jair Bolsonaro e que o termo ‘presidente’ pode se referir a um chefe de qualquer instituição ou ser uma metáfora [7]. Vale lembrar que outras duas peças de teatro foram canceladas, a ‘Caranguejo Overdrive’ [veja aqui] e a obra infantil ‘Abrazo’ [veja aqui], ambas por seu conteúdo político. Ainda, houve casos em que manifestações críticas ao presidente foram enquadradas na Lei de Segurança Nacional, como de colunista que escreveu artigo sobre a utilidade da morte do presidente [veja aqui] e o da drag queen que segurava a escultura da cabeça decapitada de Bolsonaro [veja aqui].
Leia a análise sobre como a política de investimento na cultura do governo federal afeta as produções teatrais.
O presidente Jair Bolsonaro diz que não vai mais acatar nenhum pedido de demarcação de terras quilombolas no país [1]. A fala ocorreu em março de 2020, durante evento com empresários em Miami, onde o presidente ainda afirma que os 900 pedidos de demarcação de territórios quilombolas que hoje aguardam sua assinatura não serão deferidos [2]. Sobre a situação das comunidades quilombolas, Bolsonaro argumenta: ‘os governos de esquerda descobriram outras formas de atrapalhar o Brasil, com comunidades quilombolas’, e que a demarcação ‘não pode ocorrer’, pois ‘somos um só povo, uma só raça’ [3]. O presidente afirma existir uma ” ‘indústria de demarcações’ ” no país que promove também o excesso de territórios indígenas na Amazônia e por isso, além do indeferimento de terras quilombolas, não irá mais realizar demarcações de terras indígenas [4]. Bolsonaro defende que há milhares de riquezas sob o solo nessas regiões que precisam ser exploradas [5]. O posicionamento do presidente converge com o avanço das políticas do governo federal direcionadas à exploração de atividades econômicas em áreas de proteção ambiental [veja aqui] e a alta recorde de pedidos de mineração em terras indígenas .
Leia sobre o processo de demarcação de terras indígenas.
A Escola Superior de Guerra (ESG), órgão que integra o Ministério da Defesa (MD), envia ofícios ao MD [1] e à Advocacia-Geral da União (AGU) [2] questionando a possibilidade de punição dos servidores que critiquem o presidente Jair Bolsonaro, o que é apurado nesta data pela imprensa. No documento consta preocupação com a emissão de opiniões políticas de servidores contra Bolsonaro, ainda que em contexto de ‘licenças particulares, férias, folga’ e que comentários contra o presidente poderiam ‘contrariar as linhas de pesquisa e o escopo de atividades da instituição de ensino’ [3]. A consulta seria baseada no Código de Ética do Servidor Público e nos crimes contra a honra previstos no Código Penal [4]. Em nota, a ESG afirma que o ofício teria caráter consultivo, sem pretensão punitiva [5]. Em outras oportunidades, o Ministério da Saúde exonerou servidores que assinaram notas técnicas sobre saúde sexual das mulheres, em suposto desalinhamento com o governo federal [veja aqui], e empresa pública de comunicação ajuízou ação contra funcionários por manifestações críticas em rede social [veja aqui]. Já o Ministério da Justiça promoveu ação sigilosa para monitorar 579 servidores ‘antifascistas’ e repassou informações a outros órgãos do governo [veja aqui], enquanto a Controladoria-Geral da União baixou nota técnica permitindo punição a servidor que se manifestar nas redes sociais [veja aqui].
Leia análise sobre a relação entre Bolsonaro, outros poderes e o papel do Exército.