No primeiro dia de governo, o presidente Jair Bolsonaro edita Medida Provisória [1] sobre nova organização dos órgãos da Presidência e dos Ministérios [veja aqui] e redistribuição de competências [veja aqui], com o deslocamento da regularização fundiária de terras indígenas e quilombolas para o Ministério da Agricultura [2]. Antes da medida, a demarcação de terras indígenas e quilombolas ficava a cargo da Fundação Nacional do Índio (Funai), vinculada ao Ministério da Justiça [3]. Em referência aos povos tradicionais, Bolsonaro fala em integrar os índios [4]. A decisão do presidente confirma promessas de campanha [5] e é duramente criticada por organizações da sociedade civil [6] e especialistas, que apontam a redução da capacidade de demarcação, a ausência de informações sobre os critérios a serem adotados e a incompatibilidade entre a proteção de direitos fundamentais dos povos tradicionais e os interesses do agronegócio, o que pode resultar mais conflitos fundiários e violência no campo [7]. Além disso, a medida é classificada como ‘integracionista, colonialista, e racista’ por representante indígena Karajá na Organização das Nações Unidas (ONU), que denuncia políticas de ‘integração’ como parte da doutrina da ‘assimilação natural’ da ditadura militar [8]. Com a tramitação da MP no Congresso Nacional, o texto que previa a mudança é retirado e a competência para a demarcação de terras indígenas é devolvida para a Funai [9]. Em junho, no entanto, Bolsonaro edita nova medida provisória retomando a transferência da demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura, que é suspensa pelo Supremo Tribunal Federal [veja aqui][10]. Outras declarações do presidente sinalizam ameaças à proteção das terras demarcadas [veja aqui] e à preservação de artefatos indígenas [veja aqui]. Em 2020 é editada a chamada ‘MP da grilagem’ que novamente põe em risco a demarcação .
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Na primeira visita à Amazônia, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em companhia da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, conhece plantação de soja ilegal em terras indígenas [1]. A ministra afirma que os produtores indígenas estão fazendo uma ‘revolução na agricultura’ e estão ‘lado a lado com os maiores agricultores do país’ [2]. Os indígenas da região defendem a liberação do uso de transgênicos e o direito ao arrendamento de suas terras [3]. De acordo com a Funai existem apenas 22 reservas indígenas que arrendam terras e a Associação de Povos Indígenas do Brasil (APIB) afirma que os povos indígenas ‘rejeitam o modelo de monocultura’ promovido pela agroindústria [4]. O empreendimento foi embargado pelo Ibama em 2018, pois cultivava Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) e impedia a regeneração da vegetação nativa [5]. As terras eram arrendadas pelos indígenas a outros agricultores e recebiam 10% das sacas produzidas, em outras épocas do ano esse número reduzia para 2,5% [6]. Em nota o Ministério da Agricultura afirma que o plantio da safra 2018/19 foi possível em razão de acordo feito entre o Ministério Público Federal (MPF), o Ibama e a Funai, porém o MPF nega a existência desse acordo [7]. Em entrevista, Salles afirma que os índios são perseguidos por agentes estatais com ‘visão ideológica’ que menosprezam o trabalho dessa população [8]. A postura dos ministros está alinhada a do presidente Jair Bolsonaro, que defende a mineração [veja aqui] e a pecuária [veja aqui] em terras indígenas e assina projetos de lei que liberam a produção de transgênicos e autorizam atividades econômicas nessas localidades [veja aqui]. O presidente também critica extensões de terras a indígenas [veja aqui], transfere a competência para demarcação dessas áreas para o Ministério da Agricultura [veja aqui] e cede aos interesses ruralistas sobre a Funai [veja aqui].
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Em entrevista, o secretário especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Nabhan Garcia, também presidente licenciado da União Democrática Ruralista (UDR), defende rever a demarcação de terras indígenas, pois o Estado estaria ‘à mercê de políticas ideológicas’, e afirma que, atualmente, ‘o maior latifundiário do País é o índio’ [1]. O secretário diz que havia ‘forte influência política e ideológica’ no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e que o governo fará uma revisão ‘total’ das políticas de reforma agrária, pois não pode ‘compactuar com a indústria da invasão’ – em referência aos requerentes da reforma agrária [2]. Garcia complementa afirmando que irá romper o diálogo com o Movimento Sem Terra (MST), cujos membros seriam ‘invasores de propriedade’ e ‘os foras da lei’, e que não haverá espaço para a ‘farra’ das ONGs, que estariam a serviço de ‘interesses escusos’ [3]. Suas falas estão alinhadas à postura do governo Bolsonaro em relação à demarcação de terras indígenas, como a paralisação desse procedimento [veja aqui], a defesa da exploração da mineração [veja aqui], da pecuária [veja aqui] e de outras atividades econômicas [veja aqui] nessas áreas e a transferência da competência de demarcar as terras ao Ministério da Agricultura [veja aqui]. Da mesma forma, o governo promove o desmonte das políticas de reforma agrária, suspendendo reiteradamente esse procedimento [veja aqui] [veja aqui], reduzindo o número de famílias assentadas [veja aqui] e identificando o MST como terrorista [veja aqui]. O governo também altera a composição do Incra [veja aqui] e da Funai [veja aqui] em razão dos interesses do setor ruralista.
Leia as análises sobre a trajetória de Nabhan Garcia, como os ruralistas avançam sobre o Incra e as mudanças do governo Bolsonaro na política de demarcação de terras indígenas
Em reunião internacional de pesquisa mineral, o Ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, anuncia que o governo Bolsonaro pretende autorizar, via projeto de lei, a exploração de mineração em terras indígenas e zonas de fronteira e permitir que mineradoras privadas pesquisem minerais nucleares nessas áreas [1]. O Ministro justifica que o impedimento às mineradoras de atuarem nessas áreas torna-se um eixo de conflito [2]. Albuquerque também anuncia que pretende colocar em leilão algumas terras pertencentes ao Serviço Geológico Brasileiro [3]. O discurso do ministro está alinhado aos posicionamentos do presidente Jair Bolsonaro, que é contrário à demarcação de terras indígenas [veja aqui] e defende a mineração [veja aqui] e a pecuária [veja aqui] nessas áreas. Além disso, o secretário de assuntos fundiários do Ministério da Agricultura afirma que os povos indígenas são os maiores latifundiários do país [veja aqui] e o governo encaminha projeto que libera a produção de transgênicos nessas reservas [veja aqui] e cede aos interesses dos ruralistas ao demitir o presidente da Funai [veja aqui]. Em outubro, Albuquerque declara que o projeto de lei que autoriza a exploração mineral e a agricultura em terras indígenas está em análise na Casa Civil [4] e, em fevereiro de 2020, o presidente Jair Bolsonaro envia a proposta ao Congresso Nacional [veja aqui]. Os acontecimentos também se relacionam ao desmonte das políticas de preservação ambiental, através da redução na fiscalização [veja aqui], da desestruturação de conselho [veja aqui] e exoneração [veja aqui] e ameaça [veja aqui] a funcionários.
Leias as análises sobre a preocupação de estudiosos em relação à exploração das terras indígenas e a polêmica em torno da mineração nessas áreas
Atendendo a pedido do chefe do Gabinete de Segurança Nacional (GSI), general Augusto Heleno, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, baixa portaria que autoriza o emprego da Força Nacional de Segurança Pública (FNS) para ‘realizar a segurança’ da marcha indígena que ocorrerá em 19/04 por ocasião do ‘Dia do Índio’ na Praça dos Três Poderes e na Esplanada dos Ministérios [1]. A medida tem prazo de 33 dias e inclui o período de reunião do ‘Acampamento Terra Livre’ (ATL), o qual o presidente Jair Bolsonaro chamou de ‘encontrão de índio’ [2]. A justificativa oficial, segundo Heleno, é ‘desencorajar que manifestações descambem para a violência e provoquem danos em pessoas ou no patrimônio público’ [3]. Em resposta, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) declara em nota que ‘não somos violentos, violento é atacar o direito sagrado a livre manifestação com tropas armadas’ [4]. No mesmo dia, o partido PSOL protocola projeto de decreto legislativo para anular a medida [5]. O encontro do ATL ocorre na semana de 25/04, como previsto, sem o uso efetivo da FNS, mas é marcado por tensões e negociações entre representantes indígenas e a polícia militar [6]. Ressalte-se que o emprego da FNS é autorizado novamente por Moro no mês seguinte para os protestos pela educação [veja aqui]. No ano seguinte, o presidente defende o uso da FNS para conter manifestantes também [veja aqui].
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O presidente Jair Bolsonaro baixa decreto [1] a respeito da estrutura regimental do Ministério da Saúde, provocando alterações na Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) [2]. Há a ‘integração’ da Sesai e a extinção do Departamento de Gestão da Saúde Indígena, responsável pela gestão administrativa e financeira do subsistema [3]. Segundo líder indígena, a medida é problemática não só porque o departamento extinto é importante para a gestão e controle social, como também porque foi tomada sem qualquer consulta prévia aos povos indígenas, principais destinatários da política pública [4]. Pesquisadores também alertam para o uso político da palavra ‘integrar’ na normativa, considerando o modo como o presidente tem defendido políticas integracionistas para essa população [veja aqui] [veja aqui] e a necessidade de individualização das características culturais e de saúde [5]; igualmente, apontam que o órgão extinto deixa um vácuo sobre quem será responsável por garantir a execução do orçamento da Sesai [6]. Em nota, o Ministério da Saúde afirma que segue a diretriz de ‘aprimorar o atendimento diferenciado à população indígena’ [7]. Vale lembrar que em fevereiro o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, criticou a Sesai e propôs alterar sua estrutura [8], e, em abril, outro decreto Bolsonaro extinguiu inúmeros órgãos de participação da sociedade civil [veja aqui], dentre eles a Comissão Nacional de Política Indigenista [9].
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O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), general Franklimberg Ribeiro de Freitas, é exonerado sem justificativa formal e se indicia que a demissão teria decorrido da pressão de ruralistas com influência no governo [1]. Ao anunciar sua saída, o general afirma que o Presidente Jair Bolsonaro é mal assessorado na condução da política indigenista e que o secretário especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Nabhan Garcia, não tem conhecimento sobre o funcionamento do ‘arcabouço jurídico que envolve a Funai’ [2]. Ribeiro de Freitas também afirma que Nabham ‘saliva ódio aos indígenas’ e queria acabar com o Departamento de Proteção Territorial da Funai, responsável pela demarcação de terras indígenas [3]. O general aponta que há integrantes do governo que veem a Funai como empecilho ao licenciamento ambiental necessário para certos empreendimentos [4], posição defendida por Bolsonaro [veja aqui], e que o órgão está constantemente sob ataques [5]. O general já havia pedido demissão quando ocupou o mesmo cargo no governo Temer em razão da pressão da bancada ruralista [6]. Marcelo Xavier da Silva, pessoa próxima a bancada ruralista no Congresso, é nomeado para substituir Ribeiro de Freitas [7]. Os acontecimentos compõem o quadro de desmonte da política de demarcação de terras indígenas [veja aqui], como defendido por Bolsonaro [veja aqui], de interferência na Funai [veja aqui] e de submissão do governo aos interesses dos ruralistas [veja aqui].
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O presidente Jair Bolsonaro edita Medida Provisória (MP) [1] que altera lei sancionada no dia anterior para transferir a competência sobre a demarcação de terras indígenas e quilombolas ao Ministério da Agricultura, restabelecendo dispositivo de MP anterior derrubada pelo Congresso Nacional [2][veja aqui]. Em declarações sobre a MP, Bolsonaro volta a falar sobre a ‘integração do índio à sociedade’, e critica a riqueza natural em áreas indígenas, o que impossibilita sua exploração comercial [3]. Em resposta, parlamentares criticam a medida tanto por afrontar decisão tomada pelo Congresso e ferir regras constitucionais sobre processo legislativo [4], quanto por colocar novamente em risco povos indígenas, como dito por congressista indígena que classifica a MP como ‘perseguição’ [5]. O Ministério Público Federal também divulga nota pública em repúdio [6]. Quatro dias depois, três ações diretas de inconstitucionalidade são ajuizadas no Supremo Tribunal Federal (STF) por partidos da oposição para suspender o dispositivo da MP que transfere a competência da demarcação de terras ao Ministério da Agricultura [7]. Na semana seguinte, o relator, Ministro Luis Roberto Barroso, defere liminar e o dispositivo da MP é suspenso [8]. No dia 01/08, a liminar é confirmada pelo plenário do STF [9]. Em outubro, a MP é convertida em lei, mas não inclui tal dispositivo [10].
Leia análises sobre as tentativas de mudança na demarcação de terras indígenas e invasões realizadas em áreas ocupadas por indígenas ao longo de 2019.
A Agência Nacional de Águas (ANA) publica resolução [1] que abre portas para o uso de recursos hídricos em áreas ao redor de terras indígenas, incluindo instalação de usinas hidrelétricas, sem participação da Funai nos processos de outorga [2]. Como previsto na Constituição Federal, o uso de recursos hídricos em terras indígenas é permitido mediante permissão do Congresso Nacional [3]. A nova resolução [4] traz a possibilidade do uso de recursos hídricos [5] nas áreas ao redor das terras indígenas sem necessidade da permissão da União [6]. Mesmo se tratando de terras próximas a terras indígenas, o uso de recursos hídricos nessas áreas poderá afetar na qualidade ou quantidade de água nas próprias terras indígenas [7]. Apesar do potencial de afetar terras indígenas, essa mudança normativa faz com que a FUNAI só receba a notificação da outorga quando ela já tiver sido deferida. Ou seja, caso haja qualquer contraposição referente à solicitação de uso que afete terras indígenas, só poderá ser realizada após a concessão da outorga e não durante o processo[8].
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, faz discurso em Rondônia apoiando madeireiros, após ataques deles ao Ibama em ações de fiscalização de extração de madeira ilegal em terras indígenas [1]. Duas semanas antes da visita do ministro, agentes do Ibama tiveram que desistir da operação que faziam de fiscalização ambiental, onde destruíram equipamentos dos madeireiros, devido aos ataques que sofriam [2]. Nas ocasiões, um caminhão-tanque do Instituto foi incendiado por madeireiros, além de terem havido outros ataques aos servidores que impediram a entrada nas terras indígenas para fiscalização [3]. Devido aos riscos que sofriam, receberam ordens para que voltassem e abandonassem as operações [4]. Salles alega demonstrar respeito ao setor produtivo, através de sua visita e também de estar aberto às reclamações feitas pelos madeireiros [5]. Afirma também não acreditar que o ataque ao caminhão do Ibama seja de autoria dos madeireiros [6]. O presidente Bolsonaro já havia se manifestado contra as medidas de queima de maquinário em fiscalizações ambientais do Ibama, prometendo modificações aos garimpeiros [veja aqui]. Estudo feito pelo Instituto Socioambiental (ISA) [7] mostra que após discurso do Salles, os meses de agosto e setembro tiveram o aumento respectivo de 247% e 283% em comparação ao mês de maio de 2019, no local do discurso e dos acontecimentos em Rondônia [8].
Leia a análise sobre a opnião do professor de Pós-Graduação em Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente (Procam) da Usp sobre as consequências da fala do Salles