O presidente classifica integrantes de grupos declarados antifascistas que participam de protestos contra seu governo como ‘marginais’ e ‘terroristas’ e defende a atuação policial nas manifestações marcadas para o dia 07/06 [1]. Na oportunidade, Bolsonaro associa os manifestantes à depredação e diz que não gostaria que acontecesse no Brasil manifestações como as desencadeadas nos Estados Unidos por ocasião da morte de George Floyd, um homem negro assassinado por um policial branco, afirmando que ‘lá o racismo é um pouco diferente do Brasil. Está mais na pele’ [2]. Dois dias antes, por meio de sua conta no Twitter, Bolsonaro compartilha postagem do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que defende a classificação de grupos ‘Antifa’, abreviação para antifascistas, como terroristas [3]. O vice-presidente, Hamilton Mourão, endossa a posição de Bolsonaro em artigo de opinião [4]. Em tom provocativo, o presidente volta a criticar formas de oposição ao governo neste momento, como já feito antes [veja aqui], bem como reage a comparações dos movimentos atuais com outros do passado brasileiro e do cenário norte-americano. Mourão chama os manifestantes contrários ao governo de ‘baderneiros’, diz que eles estariam abusando da violência, cometendo crimes e associa-os a episódios violentos de 2013. Além disso, repudia comparações com a realidade norte-americana e com a ditadura militar brasileira [4].
Leia análises sobre a relação entre as críticas do vice-presidente e a escalada da violência policial em protestos, o avanço dos protestos antirracistas nos EUA, e informativo sobre o que é o antifascismo.
Sérgio Camargo, presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP), falta a audiência pública virtual na Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados que discutiria a crise institucional enfrentada pela FCP [1]. Ao negar o convite à audiência, Camargo diz não dialogar com ‘pretos racistas’, referindo-se aos participantes da comissão [2]. O presidente da FCP acumula atos e falas que vão contra a finalidade legal da instituição, que é a de promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira [3]. Nesse sentido, ele já se referiu ao movimento negro como ‘escória maldita’ [veja aqui], ironizou Zumbi dos Palmares [veja aqui], censurou biografias sobre lideranças negras no portal da fundação [veja aqui] e negou a existência de racismo no Brasil [veja aqui].
Pelo segundo fim de semana [veja aqui], acontecem atos contra o governo de Jair Bolsonaro e racismo que terminam em violência policial. Em São Paulo, manifestantes [1] são dispersados pela tropa de choque da Polícia Militar (PM) [2] e cerca de 32 ativistas são detidos [3]. O governador do estado, João Doria (PSDB), elogia a atitude da corporação [4], mas, posteriormente, a ouvidoria da polícia afirma que abrirá investigação sobre a conduta dos PMs [5]. Em Brasília, o ato é acompanhado pela PM (ao contrário dos atos pró-Bolsonaro [veja aqui]) e o prédio do Ministério da Defesa é protegido por militares [6]. Um homem joga um balde de tinta vermelha na rampa do Palácio do Planalto é preso e indiciado por dano ao patrimônio público federal e tombado [7]. Em Belém, também registram-se detenções [veja aqui]. No Rio de Janeiro, na cidade de Campos de Goytacazes, são usadas bombas de gás lacrimogênio para dispersar os manifestantes em ato antirracismo [8]. Os atos se dão em contexto em que se registra aumento da violência policial em estados como Rio de Janeiro [veja aqui] e São Paulo [veja aqui] e morte de jovens negros pela polícia [veja aqui].
Leia as análises sobre bolsonarismo e polícias militares, racismo e manifestações em tempos de covid-19 e sobre os atos nas capitais do país.
Em Belém do Pará, são detidos 112 manifestantes em ato contra o racismo e pró-democracia, incluindo menores de idade [1]. A detenção é justificada pelo decreto emitido por Helder Barbalho (MDB), governador do estado, sob a alegação de que os manifestantes não estariam cumprindo o distanciamento social e concentrando-se em aglomerações [2]. A cidade teve o isolamento social flexibilizado e que shoppings centers registraram aglomerações no mesmo fim de semana [3]. Na semana anterior, outras 13 pessoas foram detidas pelas mesmas razões ao realizarem atos pró-governo federal [4]. As detenções se dão no mesmo fim de semana em que há registro de violência policial em atos contra o governo federal realizados em outras cidades [veja aqui].
Em meio à pandemia da covid-19, apuração da imprensa revela que o Ministério da Saúde retirou do ar estudo [1] sobre saúde da população negra brasileira [2]. O levantamento, que demonstrava diversas disparidades entre negros e brancos, foi deletado entre abril e junho de 2020 [3]. Na página do Ministério dedicada à diversas publicações ainda constam várias pesquisas, incluindo relatório semelhante sobre a população brasileira no geral – somente a porção relativa à população negra foi apagada [4]. Servidores afirmam que a orientação do governo federal é que não haja políticas identitárias, razão pela qual o departamento que cuidava da diversidade dentro do Ministério teria sido rebaixado como coordenadoria [5]. A área responsável pela pesquisa é a mesma que sofreu intervenção do governo Bolsonaro quanto à divulgação de dados sobre a pandemia [6] [veja aqui]. Vale lembrar que a Fundação Palmares, órgão destinado a divulgar informações sobre a população negra, excluiu de seu site informações sobre referências importantes do movimento negro [veja aqui].
Guilherme Silva Guedes, 15 anos, é encontrado morto, com marcas de agressão pelo corpo, após ter sido raptado em Americanópolis, Zona Sul de São Paulo [1]. Segundo investigações, os principais suspeitos seriam dois policiais militares, que agiriam como seguranças em galpão da Sabesp e teriam confundido Guilherme com um frequentador do local [2] e, posteriormente, um deles é preso [3]. A morte de Guilherme desencadeia protestos de moradores da região, que incedeiam ao menos sete ônibus [4]. Após a manifestação, a Polícia Militar (PM) teria agredido moradores, de acordo com vídeos de testemunhas [5]. O governador João Doria (PSDB) afirma que não será complacente com violência policial [6] e que a corporação passará por novo treinamento para diminuir a violência [7]. Cabe destacar que os índices de violência policial aumentaram no estado durante a quarentena [veja aqui] e que diversos protestos contra o governo federal e o racismo são alvo de recente repressão policial na cidade [veja aqui].
Leia análise sobre violência e racismo.
A Fundação Cultural Palmares (FCP) retira de seu site biografias de pessoas negras importantes ao longo da história do Brasil [1]. A FCP tem por missão institucional a preservação a memória e ‘valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira’ [2], mas servidores afirmam que o chefe da instituição, Sérgio Camargo, nega a importância das figuras históricas especialmente às simbolicamente vinculadas a movimentos de esquerda [3] – Camargo chegou a compartilhar posts em suas redes sociais contra Zumbi dos Palmares [veja aqui]. Segundo funcionários, o presidente da FCP teria também ordenado a remoção da página, que se tratava de um mosaico com acesso a diversos artigos sobre a vida de personalidades negras históricas, como Carolina de Jesus, Luís Gama e o próprio Zumbi [4]. Ao conversar sobre o caso com a imprensa, servidores pediram anonimato por medo de demissão [5] – vale lembrar que houve vazamento de áudio de reunião entre funcionários e Camargo [veja aqui] e que servidores teriam sido exonerados de órgãos vinculados ao governo federal ao terem posições divergentes do governo federal [veja aqui]. Além disso, dados sobre a saúda da população negra são retirados do site do Ministério da Saúde [veja aqui].
O Brasil, por meio de sua embaixadora na Organização das Nações Unidas (ONU), Maria Nazareth Farani Azevêdo, apresenta objeções à proposta de resolução que pede ao Conselho de Direitos Humanos da ONU para que estabeleça fatos e circunstâncias relacionadas ao racismo sistêmico no mundo [1]. A proposta inicial, elaborada por países africanos, cita os Estados Unidos, o caso do assassinato de George Floyd – homem negro asfixiado até a morte por um policial branco em Minnesota – e propõe a criação de uma comissão de inquérito para investigar violações de direitos humanos relacionadas ao racismo [2]. A embaixadora brasileira é contrária a citação nominal dos EUA e de qualquer outro país, afirmando em seu discurso que ‘o racismo não é exclusivo de nenhuma região’, e defendendo ainda ‘o papel indispensável da polícia para garantir o direito à segurança pública’ [3]. Esta não é a primeira vez que o Itamaraty causa polêmica na ONU ao subestimar minorias: em 2019 diplomatas brasileiros passaram a rejeitar o termo o ‘gênero’ em reuniões do órgão [veja aqui]. Dois dias após as declarações, é aprovada pelo Conselho de Direitos Humanos proposta para elaboração de relatório sobre racismo e violência policial contra afrodescentes e africanos no mundo, o texto final, no entanto, suprime citações a nomes de países e rejeita a criação de comissão de inquérito, em alinhamento com a posição brasileira [4].
Leia análise sobre a atuação da diplomacia brasileira com relação a questão racial na ONU e entenda como funcionam os organismos de direitos humanos da ONU.
Presidente Jair Bolsonaro realiza vetos na Lei 14.021/20 [1] que dispõe sobre medidas de proteção e prevenção ao contágio e disseminação do coronavírus nos territórios indígenas, quilombolas e de pescadores artesanais. Dos 14 trechos vetados, inclui-se o veto à obrigação governamental de fornecimento de água potável, distribuição gratuita de materiais de higiene e limpeza, e a oferta emergencial de leitos hospitalares e UTIs [2]. Na exposição das razões dos vetos, o presidente argumenta que as propostas legislativas criavam obrigações e despesas ao Poder Público sem demonstração do ‘impacto orçamentário e financeiro’, em afronta a regras constitucionais [3]. Entidades da sociedade civil [4], lideranças indígenas [5] e a frente parlamentar mista em defesa dos direitos dos povos indígenas [6] externam surpresa e preocupação com os vetos presidenciais, ao apontarem viés do atual governo que optaria pela vulnerabilidade dos povos indígenas [7]. Na semana anterior a publicação da lei, ação [8] no Supremo Tribunal Federal (STF) solicitou que o governo federal instale barreiras sanitárias em territórios indígenas e elabore plano de combate ao coronavírus para os povos indígenas [9]. Um dia após a publicação da lei, o ministro do STF, Luís Roberto Barroso, concede decisão liminar [10] exigindo do governo federal a adoção de série de medidas que contenha a doença, incluindo plano de criação de barreiras sanitárias em terras indígenas [11]. Em 22/07, o gabinete do ministro Barroso expede certidão de ausência de manifestação, tendo em vista a não apresentação, por parte do governo, do plano de criação de barreiras saintárias nas terras indígenas no prazo determinado [12]. Barroso também determina que conselheira do CNJ acompanhe as próximas reuniões envolvendo o governo e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), tendo em vista relatos de tratamento ‘humilhante’ do primeiro em relação a última em reunião anterior [13]. Em 29/07, o governo envia plano apontando que 8 barreiras sanitárias já teriam sido instaladas, e a Sala de Situação, grupo composto por especialistas ambientais articulado pelo ministro Barroso do STF, avalia que as barreiras apontadas pelo governo não existem na realidade [14]. Em 05/08, o plenário do STF referenda a liminar concedida por Barroso para que sejam instaladas barreiras sanitárias visando a proteção dos povos indígenas no combate ao coronavírus [15]. Em 22/10, Barroso determina que a União elabore novo plano de enfrentamento e monitoramento do coronavírus para os povos indígenas, por considerar o plano enviado pelo Executivo ‘genérico e vago’, ao não apresentar ações, metas, critérios, e cronograma de execução [16]. Em 01/12, o ministro determina 48h para que o governo federal realize reunião extraordinária para explicar como barreiras sanitárias serão implementadas em terras indígenas do Amazonas e Mato Grosso [17]. Em novembro de 2020, o Ministério da Justiça autoriza o emprego da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) para apoiar a Funai na execução de medidas protetivas previstas no plano de barreiras sanitárias [18]. O emprego da FNSP é prorrogado em dezembro [19], em março de 2021 [20] e, novamente no final de abril de 2021 [21]. Em 05/07/21, o uso da FSNP é prorrogado pela quarta vez na Terra Indígena Enawenê-Nawê [22]. Em outra oportunidade, a Funai não havia apresentado nenhum plano de ação para proteção de indígenas na pandemia e havia gastado mais de R$ 1 milhão da verba enviada pelo governo federal para essa finalidade [veja aqui].
Leia análises sobre os vetos presidenciais, como os cortes na lei podem tornar as medidas de combate ‘inócuas’, a acusação do governo praticar genocídio contra os povos indígenas durante a pandemia, a judicialização de questões climáticas – em inglês, e a possibilidade de atuação garantista do STF, em contrapeso ao Executivo, pela preservação de direitos indígenas.
Um adolescente negro de 19 anos, sem antecedentes criminais, é assassinado durante abordagem policial no distrito de Sacomã, em São Paulo (SP) [1]. O estudante Rogério Ferreira da Silva Júnior andava de moto quando foi abordado por dois policiais militares (PMs) da Ronda Ostensiva Com Apoio de Motocicletas (ROCAM) e ferido por um tiro, ainda que estivesse desarmado [2]. Ao falar sobre o caso, o secretário estadual de Segurança Pública, general João Camilo Pires de Campos, alega que o episódio ‘é trágico’, mas que ‘tudo indicava que [a motocicleta] seria fruto de um roubo’ [3]. A moto, porém, era emprestada de um amigo da vítima [4]. A família e conhecidos de Rogério organizam manifestação cobrando justiça para o caso, e vídeos publicados nas redes sociais mostram policiais agredindo alguns dos manifestantes [5]. Cerca de um mês após a morte, os dois soldados envolvidos, Guilherme Tadeu Figueiredo Giacomelli e Renan Conceição Fernandes Branco, têm a prisão preventiva decretada [6], mas são soltos após 37 dias por decisão da Justiça Militar [7]. Ao solicitar a revogação da prisão, a defesa de Giacomelli argumenta que o soldado não percebeu que havia atirado contra o adolescente [8]. No final de novembro, o Ministério Público de São Paulo o denuncia por homicídio qualificado [9]. Em 2020, os registros de mortes cometidas por policiais militares no estado de São Paulo têm aumentado: nos primeiros quatro meses do ano, a letalidade policial cresceu 31% —a despeito da pandemia [veja aqui]—, sendo a maioria dos mortos negra [10]. O primeiro semestre do ano também marcou recorde histórico no número de mortes por PMs de SP em serviço ou de folga [11]. No Rio de Janeiro, estado vizinho que também experimentou aumento de mortes pela polícia durante a pandemia, houve suspensão de operações policiais em comunidades decretada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) [veja aqui].
Leia análise sobre as mudanças no contexto da criminalidade e da letalidade policial no estado de São Paulo durante a pandemia de covid-19 e entrevista com especialista sobre o papel do racismo na violência policial