Apuração de ONG especializada divulgada nesta data mostra que, dentre os 31 casos de vítimas da violência no campo que terminaram em morte durante 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, apenas uma das investigações foi concluída [1]. Contudo, nem neste caso houve condenação, uma vez que a investigação do Ministério Público Federal (MPF) concluiu tratar-se de um caso de morte natural, o que é contestado pelos familiares da vítima, um homem indígena do Amapá [2]. Dentre os casos restantes, 19 não tiveram suas investigações concluídas e 10 estão pendentes de julgamento após a finalização do inquérito policial [3]. De acordo com a apuração, 93% dos assassinados eram homens e 87% deles residia em estados da Amazônia Legal [4]. A ONG aponta que a maior parte de tais casos guarda relação com disputas de terra ou com a defesa de territórios indígenas, o que demonstra a discriminação enfrentada por indígenas e integrantes de movimentos sem-terra [5]. A falta de resposta às situações de conflito no campo não é nova: segundo levantamento, somente 8% dos casos de violência no campo ocorridos entre 1985 e 2018 foram julgados [6]. Também de acordo com ele, o número de conflitos no campo cresceu 23% entre 2018 e 2019 [7]. Em 2019, Bolsonaro determinou a suspensão da reforma agrária por tempo indeterminado [veja aqui]. No mesmo ano, ele criticou a demarcação de terras indígenas e afirmou que trata-se de uma estratégia para enfraquecer o país economicamente [veja aqui], já tendo tentado trasferir – sem sucesso – a competência da demaracação de terras indígenas ao Ministério da Agricultura [veja aqui] [veja aqui]. Dentre as diversas modificações na legislação que ampliaram o acesso à armas de fogo [veja aqui], em 2019 Bolsonaro sancionou sem vetos lei que permite o armazenamento de armas de qualquer ponto do terreno em áreas rurais, anteriormente permitido somente na sede da propriedade [veja aqui]. Em 2020, ele autorizou a intervenção das Forças Armadas na Amazônia por meio de operação de Garantia da Lei e da Ordem [veja aqui].
Ouça série de podcasts sobre histórias de vítimas de violência no campo.
Levantamento desta data revela que governo federal não sanciona desapropriação de terras desde o início da atual gestão [1]. Desde 2019, Bolsonaro não editou nenhum decreto de desapropriação de terrenos sem função social para reforma agrária, como determina a constituição [2]. Os dados condizem com decisão anunciada em janeiro do primeiro ano de gestão Bolsonaro, quando o governo federal anunciou a suspensão da reforma agrária por tempo indeterminado [veja aqui]. Também reduziu o investimento da União ao menor patamar dos últimos dez anos no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, o Incra [3]. A maior parte do gasto empenhado na área, segundo dados orçamentários da Lei Orçamentária Anual de 2021, vai para o pagamento de indenizações aos proprietários de terras improdutivas desapropriadas [4]. As informações são fornecidas pelo próprio Incra em nota técnica enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito de ação judicial proposta por partidos políticos e organizações que discute descumprimento de direitos constitucionais em razão da paralisação da reforma agrária [5]. Apesar de informar que a edição de decretos presidenciais para a desapropriação para reforma agrária zerou, o órgão nega que exista uma ‘paralisação’ [6]. Para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Incra executa uma política de concentração de terras, o que deixa mais de 80 mil famílias acampadas à espera de terra. Especialistas também criticam a postura do governo atual, ressaltando um deslocamento das políticas agrárias focadas no assentamento e na agricultura familiar para o agronegócio [7]. Vale lembrar que outras ações do governo federal estiveram alinhadas com o beneficiamento de agropecuaristas: com a substituição de presidência e a diretoria do Incra por pressão de ruralistas para a aceleração na regularização fundiária [veja aqui], nomeação de ruralistas para o Ministério da Agricultura [veja aqui] e a publicação de Medida Provisória para a legalização de terras griladas [veja aqui].
Saiba mais sobre os investimentos e a atuação do Incra nos últimos anos no ofício remetido ao STF pelo órgão que compara os gastos do governo federal atual na área com antigas gestões
O Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) lança relatório [1] que evidencia o aumento do desmatamento e da grilagem de terras em razão de estímulos federais e estaduais [2]. O relatório elucida como a legislação atual visa à modernização da regularização fundiária, que na prática aumenta as invasões de terras públicas e consequentemente o desmatamento [3]. A necessidade da titulação de terras para quem desmata com o intuito de identificar e punir estimula ocupações e diminui a proteção ambiental, porque a forma atual de requerimento do direito a terra induz ao desflorestamento como prova de ocupação do local [4]. Pesquisador do Imazon afirma que a legislação brasileira retrata as terras públicas como vagas e por isso incentiva apropriações irregulares [5]. Outro fator importante é a falta de destinação fundiária de 28,5% do território da Amazônia, que é de responsabilidade do governo estadual; todavia, os estados têm um grande número de leis estimuladoras de apropriações com base no deflorestamento [6]. Segundo a Imazon, o desmatamento da Amazônia é o maior em dez anos, e a destruição do bioma aumentou 216% em relação a março passado [7]. O instituto recomenda revisões e alterações em leis estaduais e federais para que haja a diminuição de terras griladas e do desmatamento [8], mas o Brasil segue caminho contrário ao exposto no relatório, já que no dia 16/04 o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei (PL) [9] que amplia os grupos favorecidos pela regularização fundiária [10]. Vale lembrar que a política ambiental do governo Bolsonaro já foi denunciada por servidores [veja aqui], por estimular a grilagem [veja aqui] e flexibilizar leis ambientais [veja aqui]. Em 2020, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) transferiu a regularização fundiária do Incra para os municípios [veja aqui] e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, estimulou passar a ‘boiada’ por meio de revogações de regras ambientais e militarização do ministério [veja aqui].
Leia sobre a política ambiental brasileira e o risco real que ela gera sobre a floresta Amazônica, entenda como a ‘boiada’ está passando.
Bolsonaro afirma que Congresso Nacional vai aprovar o projeto de lei (PL) que torna mais flexível a regularização fundiária de terras da União e do Incra [1]. Trata-se de PL que recupera o teor de medida provisória (MP) assinada por ele em 2019 e que ficou conhecida como ‘MP da grilagem’, uma vez que a regularização fundiária determinada acarretava na facilitação da prática de grilagem de terras [veja aqui]. A MP perdeu a validade, e portanto também seus efeitos, em 2020 porque não foi colocada em votação pelo plenário da Câmara dos Deputados (CD) [2]. Bolsonaro já responsabilizou Rodrigo Maia, ex-presidente da CD, por tal perda de validade [veja aqui]. Atualmente, outros dois projetos que reproduzem a ‘MP da Grilagem’ tramitam na Câmara e no Senado [3] . Entidades de proteção ao meio ambiente fazem criticas a essas duas propostas por entenderem que apenas favorecem o latifúndio de áreas não regularizadas, alem de causar prejuízo às populações tradicionais e a floresta brasileira que sofrem ataques pelo desmatamento descontrolado e pela grilagem de terras públicas [4]. No mesmo dia, Bolsonaro também diz que a ’demarcação quilombola também acabou’ [5]. As falas inserem-se em contexto de enfraquecimento sistemático das medidas de proteção ambiental promovido pelo governo Bolsonaro [veja aqui] [veja aqui].
Leia análise sobre como a proposta de alteração da regularização fundiária prejudica assentamentos da reforma agrária e grupos urbanos informais.
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) decide reduzir área de assentamento onde vivem 600 famílias, para ceder espaço à mineração de ouro [1]. Segundo apuração da imprensa desta data, o Incra fechou acordo com empresa canadense de mineração onde concorda em reduzir uma área de 2.428 hectares, localizada nas bordas do Rio Xingu [2]. A região que faz parte deste acordo abrange um assentamento criado na região de Volta Grande, no estado do Pará, há mais de 22 anos [3]. Em troca, o Incra vai receber da empresa uma fazenda localizada no município de Luciara, em Mato Grosso, nas margens do Rio Araguaia [4]. O contrato firmado em 07/12 também prevê participação do Incra nos lucros gerados com a mineração na região; a mina está sendo apontada pela como a maior mina de ouro a céu aberto do Brasil [5]. Especialistas afirmam que a iniciativa representa uma inversão de valores sobre as funções primordiais do Incra, que fere os princípios de participação social implícitos em suas diretrizes e inaugura uma diretriz perigosa ao visar lucratividade na concessão de exploração por capital estrangeiro de áreas destinadas ao assentamento agrário [6]. O governo federal vem se mostrando favorável à flexibilização de regras para favorecer a extração de minérios [veja aqui]. Em 22/09, conforme apuração da imprensa, o Governo Federal pagou pelo menos R$ 124 milhões a empresas acusadas de envolvimento com garimpo ilegal em terras indígenas que deveriam estar protegidas por lei [veja aqui]. Falta de fiscalização e omissão do governo incentivam garimpo ilegal na Amazônia [veja aqui].
Leia sobre as regras de extração de ouro no Brasil.
O ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, autoriza exploração de diamantes em área de quase dez mil hectares em Roraima, na fronteira com a Guiana [1]. A região inclui parcela expressiva de um assentamento de reforma agrária, destinado a 79 famílias, e de terra indígena [2]. Heleno é secretário-executivo do Conselho de Defesa Nacional, colegiado que assessora o presidente Jair Bolsonaro em assuntos de defesa e soberania e por isso pode autorizar projetos de mineração na faixa de fronteira em uma largura de até 150 quilômetros [3]. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) afirma que não foi consultado sobre a pesquisa de diamantes em toda a área [4]. Para a Agência Nacional de Mineração (ANM) não há impedimento legal para exploração de minérios em assentamentos rurais [5]. Nenhum dos órgãos responde se as famílias assentadas foram consultadas sobre a exploração de diamantes e se têm alguma participação no projeto [6]. De acordo com a apuração da reportagem, o general já havia autorizado a exploração de ouro e minério em áreas preservadas da Amazônia, gesto inédito do Conselho de Defesa Nacional nos últimos dez anos [7]. Vale ressaltar o avanço das políticas do governo federal direcionadas à exploração de atividades econômicas em áreas de proteção ambiental [veja aqui], alta recorde de pedidos de mineração em terras indígenas e a ausência de fiscalização contra o garimpo ilegal [veja aqui] [veja aqui]
Leia sobre as regras de extração de ouro no Brasil.
Durante o governo do presidente Jair Bolsonaro, o número de autorizações para exploração de nióbio na Amazônia, concedidas pela Agência Nacional de Mineração (ANM), cresce 156% em comparação aos anos anteriores no Brasil, que é o maior produtor desse metal no mundo [1]. Com jazidas localizadas, principalmente, no estado de Minas Gerais, cuja oferta é capaz de abastecer o mercado nos próximos ano, as novas áreas autorizadas para a prospecção do metal no país abrangem nove assentamentos destinados à reforma agrária nos estados do Amazonas, Amapá, Pará, Rondônia e Roraima, além de franjas dos territórios dos povos indígenas Waimiri e Tenharim Marmelos e de uma Unidade de Conservação Federal [2]. Além de flexibilizar leis ambientais [veja aqui] e estimular a grilagem [veja aqui], o governo Bolsonaro, que há tempos defende a mineração do metal em áreas de conservação da Amazônia, encaminhou em 2020 um projeto de lei que, apesar de estar parado no Congresso Nacional, regulamenta a exploração de minérios em terras indígenas , o que atualmente é proibido pela Constituição Federal [3]. Em nota, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) afirma que não foi consultado e a Fundação Nacional do Índio (Funai) não quis se manifestar sobre as autorizações [4]. A bancada do Partido Socialismo e Liberdade (Psol) na Câmara dos Deputados encaminha um requerimento para que o ministro de Minas e Energia preste esclarecimentos sobre o caso [5]. A líder do partido, Sâmia Bomfim (Psol-SP), ressalta que ‘É fundamental que o ministro Bento Albuquerque compareça à Câmara para que preste esclarecimentos sobre a exploração desenfreada aos nossos recursos naturais’ [6].
Entenda mais sobre as consequências da mineração em terras indígenas (em inglês).