Após minimizar a crise do novo coronavírus [veja aqui], a secretária da Cultura Regina Duarte dá entrevista à CNN Brasil [1] onde afirma que ‘sempre houve tortura e que não quer arrastar um cemitério (…). Porque olhar para trás?’, relativizando os impactos causados pela ditadura e afirmando que ‘na humanidade não para de morrer gente’ [2]. A atriz também canta trecho do jingle da Copa de 1970 para mudar de assunto. Além disso, afirma que a pandemia de covid-19 está trazendo ‘morbidez’ [3]. As falas de Duarte se dão em meio à turbulências sobre sua permanência ou não no governo [4]; a secretária foi bem vista pelo Planalto após a entrevista, segundo a Folha de São Paulo [5]. Houve repercussão interna na CNN em razão da repercussão ruim da entrevista [6]. Mais de 400 artistas repudiaram as declarações de Duarte e publicaram manifesto [7]. Vítimas do regime militar entram com ação na Justiça Federal do Rio de Janeiro contra a ex-secretária e a União [8]. Em 22/07, a juíza responsável pela ação extingue o processo em relação à Duarte, mas mantém a União como ré [9][10][11] [veja aqui].
Leia reportagem sobre o jingle cantado por Duarte e a ditadura militar e sobre a CNN Brasil e o governo.
Presidente do STF, Dias Toffoli, afirma ao lado do presidente Jair Bolsonaro que o Brasil tem conduzido muito bem combate à covid-19. Toffoli ainda complementa que, apesar das informações divulgadas pela imprensa, as instituições estão funcionando, bem como a atuação do SUS e as medidas adotadas pelo governo federal e Congresso Nacional; também afirma que o Brasil deveria planejar o afrouxamento do isolamento social [1]. Anteriormente no mesmo dia, Toffoli recebeu empresários, ministros e Bolsonaro no STF, em reunião em que se defendeu a retomada da economia. Um integrante do grupo de empresários comparou os efeitos na iniciativa privada aos da saúde afirmando que ‘haverá mortes de CNPJs’. [2] Bolsonaro afirmou que não compete aos poderes decidirem de maneira isolada sobre as medidas em relação à pandemia [3]. Em 11/05, em entrevista, Toffoli afirma que a ida do presidente ao STF não seria um constrangimento e que não vê ameaças à democracia nas falas do presidente [4]. A reunião se dá em momento de pressão do Executivo Federal sobre os governadores [veja aqui] e de apoiadores de Bolsonaro sobre o Congresso Nacional e o próprio STF [veja aqui]. Até esta data, o tribunal já recebeu mais de 1.700 ações relacionadas à covid-19 [5]. Ministros da corte criticaram a visita de Bolsonaro como interferência indevida do Executivo no Judiciário [6]. Um dia após a fala, o Ministério da Saúde registra 145.328 casos e 9.897 mortes decorrentes do coronavírus [7].
Leia a análise sobre a relação entre o STF e o governo Bolsonaro.
Após a saída de Luiz Henrique Mandetta [veja aqui], o novo titular da pasta da saúde, Nelson Teich, privilegia a nomeação de militares em detrimento de servidores de carreira para os postos estratégicos no Ministério. São publicadas exonerações dos servidores e diversos cargos deixados vagos [1]. Ocupa o cargo de secretário-executivo (uma espécie de ‘número 2’) da pasta, a mando de Jair Bolsonaro, o general Eduardo Pazuello [2]. Segundo Teich, a ocupação de cargos por militares seria somente no período da pandemia por se tratar de um ‘período de guerra’ [3]. Por um lado os militares na pasta poderiam servir para tutelar e evitar o protagonismo do ministro da Saúde, especialmente após a demissão de Luiz Henrique Mandetta ante embates com Bolsonaro. Por outro, segundo o presidente, os militares seriam necessários para coordenar a transição na pasta, já que Teich não tem experiência no setor público [4]. Diversas secretarias são mantidas vagas aguardando o aval do presidente para seu preenchimento [5]. Na mesma semana, porém, Teich pede demissão [veja aqui].
Leia a análise sobre os cargos ocupados por militares na pasta da saúde.
Ministério Público Federal (MPF), por meio da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Piauí, ajuiza ação civil pública para que a Justiça Federal obrigue a União, o estado do Piauí e o município de Teresina a disponibilizarem hidroxicloroquina na rede pública de saúde do estado, visando tratamento de pessoas contaminadas pela covid-19 nos estágios iniciais da doença [1]. O MPF alega que o objetivo da ação seria resguardar o direito fundamental e inalienável à saúde e à vida das pessoas, tendo em vista ‘sólidas evidências’ de que se o tratamento for iniciado na fase inicial, teria elevado potencial para barrar o avanço da doença para os estágios mais avançados [2]. A ação ainda determina que seja dada ampla publicidade de tal protocolo nos grandes meios de comunicação e à população, para que os pacientes procurem os postos de saúde em 48 horas após os primeiros sintomas, mudando, assim, a atual orientação do Ministério da Saúde [veja aqui]. O pedido foi protocolado dois dias após a revista Jama (Journal of the American Medical Association), um dos principais periódicos médicos do mundo, divulgar os resultados de uma pesquisa que não verificou redução de mortalidade pela covid-19 em pacientes que usaram a hidroxicloroquina [3]. A posição defendida pelo MPF na ação se alinha com as defesas da hidroxicloroquina realizadas pelo presidente Jair Bolsonaro, em contrariedade aos principais estudos científicos e recomendações mais recentes da OMS [veja aqui].
Leia a análise sobre estudo global que reafirma a ineficácia da cloroquina no combate à covid-19.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) envia ofício a hemocentros de todo o país com orientações para que laboratórios não cumpram a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a inconstitucionalidade das regras que restringem a doação de sangue por homosexuais, enquanto ‘não encerrado definitivamente o julgamento da ADI 5543’ [1]. Em 08/05, o STF decide, na ADI 5543 de 2016 [2], que a regra da Anvisa que previa abstinência sexual de 12 meses para homens gays, bisexuais, travestis e mulheres transexuais para doação de sangue é inconstitucional, uma vez que impõe tratamento não igualitário e critérios que ofendem a dignidade da pessoa humana [3]. Em reação à Anvisa, entidades LGBT apresentam reclamações ao STF questionando o descumprimento da decisão judicial [4]. Igualmente, o Ministério Público Federal oficia a Anvisa, para apurar notícias sobre impedimentos na realização de doações de sangue [5]. A agência, no entanto, nega ter descumprido a decisão, e afirma que tem se esforçado para criar procedimentos de controle sanitário [6]. Vale lembrar que, no mês seguinte, o Ministério da Saúde exonerou servidores que assinaram nota técnica sobre acesso à saúde sexual e reprodutiva pelas mulheres durante a pandemia [veja aqui], deixando clara a continuidade da agenda do governo em desatenção às minorias durante a pandemia. Dois meses depois, a Anvisa decide revogar as orientações consideradas discriminatórias para cumprir a decisão do STF [7].
Leia análise sobre as discussões em torno da doação de sangue e o critério da orientação sexual.
Após embates com o presidente, relacionados às orientações sobre o uso de cloroquina para o tratamento de covid-19 [1] e ao alinhamento às recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) [2], o Ministro da Saúde Nelson Teich pede demissão [3]. A exoneração ocorre menos de um mês após a saída do Ministro da Saúde anterior, Luiz Henrique Mandetta, [veja aqui] e, desde então, o número de mortes pela doença aumenta em 666% [4]. Com a demissão, diversos ‘panelaços’ são registrados [5] e autoridades, políticos e entidades da saúde tecem críticas e preocupações [6]. Quem assume interinamente é o general Eduardo Pazuello, em cenário de crescente militarização da pasta [veja aqui], e o substituto não é anunciado, inclusive no momento em que o país registra mais de mil mortes por dia [7]. Como o presidente afirma dias depois, o general deve permanecer ‘por muito tempo’ no cargo [8]. Quase vinte dias depois, em 02/06, ele é decretado Ministro interino da Saúde [9].
Leia as análises sobre a insistência do presidente na cloroquina, evidências científicas contra o uso do remédio e a militarização da pasta.
A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, divulga um vídeo nas redes sociais anunciando o ‘milagre da cloroquina’ na cidade de Floriano, no Piauí [1]. A ministra foi enviada ao local para visitar um hospital que faz uso do medicamento hidroxicloroquina [2] e buscar o protocolo adotado de atendimento a pacientes de coronavírus para outras regiões do país [3]. A ida se deu depois de começar a circular a informação de que o medicamento era o responsável por esvaziar a UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do hospital [4]. No entanto, o coordenador técnico do hospital afirma ser falsa a atribuição de êxito na melhora dos pacientes em razão do uso da cloroquina e declara que o diferencial para evitar a UTI é o uso de medicamentos como o corticoide e o anticoagulante para pacientes internados [5]. O protocolo é defendido por uma médica brasileira que trabalha em um hospital em Madri, na Espanha, mas ele não é aceito pelo Ministério da Saúde do país [6]. A Agência Espanhola de Medicamentos e Produtos Sanitários, inclusive, alerta para os riscos de possíveis reações adversas ocasionadas pela cloroquina, como problemas cardíacos [7]. Cinco dias depois da declaração da ministra, o ocupante interino do cargo de ministro da Saúde [veja aqui] assina novo protocolo para ampliar o uso de cloroquina após determinação do presidente, apesar da OMS ressaltar os efeitos colaterais do remédio e suspender os testes com a droga dias depois [veja aqui].
Leia as análises sobre a aposta do governo na cloroquina, dez pontos para entender o debate em torno desse medicamento, um estudo brasileiro que aponta a sua ineficácia – em inglês – e alguns apontamentos sobre esse estudo.
Bolsonaro frequenta cerca de uma aglomeração por dia nos dois primeiros meses da pandemia, segundo apuração de imprensa desta data [1]. O presidente também ignora recomendações do Ministério da Saúde e de autoridades de saúde e provoca aglomerações em, pelo menos, 62 aparições públicas entre os dias 13/03 e 13/05 [2]. No mês de março, o presidente participou de ato pró-governo [veja aqui], acumulou falas contra as recomendações médicas e sanitárias [veja aqui] [veja aqui] [veja aqui], chamou a covid-19 de ‘gripezinha’ [veja aqui], lançou a campanha publicitária ‘O Brasil não pode parar’ defendendo a flexibilização do isolamento social [veja aqui], criticou medidas adotadas por governadores [veja aqui], teve mensagens apagadas em redes sociais por ‘desinformação’ [veja aqui], pediu pacto nacional para enfrentar a pandemia [veja aqui], e se negou a apresentar o resultado de seu teste de covid-19 [veja aqui] [veja aqui]. Em abril, afirmou que a covid-19 não teria potencial para matar pessoas [veja aqui], criticou a ‘falta de humildade’ do seu ministro da saúde – pró-isolamento – [veja aqui], manteve os atos de descrédito a recomendações científicas [veja aqui] [veja aqui] [veja aqui] [veja aqui], exaltou o medicamento hidroxicloroquina em pronunciamento em rede nacional [veja aqui], provocou aglomerações [veja aqui], trocou o ministro da Saúde por divergências sobre a forma de controle da pandemia [veja aqui], acusou a mídia de ‘inventar tudo’ [veja aqui], disse que não faz milagres – quando indagado sobre o país ter ultrapassado o número de mortes da China – [veja aqui] [veja aqui], e afirmou que o isolamento social foi inútil [veja aqui]. Nos primeiros dias desse mês, afirmou que gostaria que todos voltassem a trabalhar, mas que depende de governadores [veja aqui], provocou aglomeração em Goiás [veja aqui] e acumulou novos atos de descrédito às recomendações médicas e sanitárias [veja aqui].
Leia análises sobre os efeitos positivos do isolamento social, os conflitos com o então ministro da saúde e com governadores, e a sequência de pronunciamentos que minimizam a pandemia.
Ao anunciar que o Ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello, assinaria novo protocolo sobre o uso da cloroquina [veja aqui], Jair Bolsonaro diz que não há obrigação da prescrição do medicamento, apenas liberdade para fazê-lo. ‘Quem é de direita toma cloroquina. Quem é de esquerda toma Tubaína’, completa [1]. Após politizar a questão, o presidente também critica o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), opositor das medidas do governo federal durante a pandemia [2]. Por outro lado, reconhece que são incertos os efeitos do medicamento e que, no futuro, a comunidade médica pode comprovar sua ineficácia no tratamento da covid-19 [3]. No dia da fala, o país supera, pela primeira vez, a marca de mil mortes, o que equivale a um óbito a cada 73 segundos [4]. Em 20/05, o presidente afirma que lamenta as mortes [5].
Leia a análise sobre o contexto da fala do presidente e outras frases polêmicas ditas em meio à pandemia.
Eduardo Pazuello, então ocupante interino do cargo de ministro da Saúde [veja aqui], nomeia 17 novos militares para a pasta [1], em cenário crescente de militarização [veja aqui]. Com isso, os militares somam número recorde de postos na saúde [2], o que levanta preocupações de militares da ativa sobre desgaste com Forças Armadas [3]. Um dos nomes indicados teria espalhado informações falsas e chamado agentes da OMS de ‘genocidas’ [4] durante a pandemia, denotando possível falta de qualificação técnica [5]. No dia seguinte, 20/05, o ministro interino assina novo protocolo e amplia o uso de cloroquina para tratamento de casos leves após determinação do presidente [6], confirmando as expectativas após a demissão do Ministro da Saúde anterior [7] – que dias depois de sua exoneração, admitiu o peso da pressão presidencial para a liberação do uso da cloroquina como fator determinante para sua saída [8]. Sobre o novo protocolo, Bolsonaro faz trocadilho, politizando a questão: ‘quem é de direita toma cloroquina, quem é de esquerda, tubaína’ [veja aqui]. Com a nova orientação, o governo é criticado por governadores – que se negam a segui-la e aventam outros problemas da crise, como a falta de equipamentos [9]. Questionada sobre o novo protocolo, a OMS ressalta os efeitos colaterais do remédio e a falta de comprovação científica de sua eficácia [10] e suspende os testes com a droga dias depois [11], mas o governo mantém a orientação [12]. Entidades médicas também se manifestam contra a orientação e afirmam ter a intenção de judicializar a questão [13]. Procuradores da República de diversosestados do país também recomendam a suspensão da orientação do Ministério da Saúde [14]. Em 03/06, o Tribunal de Contas da União requer fundamentação do Ministério para mudança de protocolo, já que isso teria impacto nas contas públicas [15]. Em 15/06, a pasta amplia o protocolo, recomendando também o uso da cloroquina para gestantes e crianças [16], o que está na contramão de tendência internacional [17]. Em julho, a OMS suspende em definitivo os testes com hidroxicloroquina, dada sua ineficácia [18]. Em agosto, documento obtido via Lei de Acesso à Informação (LAI) atesta que a Anvisa, agência responsável por certificar a segurança de medicamentos liberados no mercado, não participou da elaboração da recomendação feita pelo Ministério da Saúde, o que é considerado perigoso por especialistas [19]. Pazuello nomeou, ao todo, 20 militares para sua assessoria no MS e afastou técnicos com experiência em crises sanitárias [20].
Leia as análises sobre a aposta do governo na cloroquina, a associação da hidroxicloroquina com mortes – em inglês e estudo posterior sobre a ineficácia do medicamento.