Familiares de presos em unidades do Ceará denunciam a prática de violência e intimidação por parte de agentes penitenciários durante manifestações em Fortaleza [1]. As manifestações ocorrem em reação à situação de incomunicabilidade, ausência de informações sobre a situação de saúde dos presos e ao prolongamento das suspensões de visitas e do envio de mantimentos por correio [2]. A adoção de medidas restritivas de direitos fundamentais justificada pela pandemia nas unidades prisionais, como a suspensão de visitas, iniciaram-se em março tanto no âmbito estadual [veja aqui], quanto no federal [veja aqui]. Segundo familiares, a manifestação marcada para ocorrer na sede da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) é dispersada com truculência pelos agentes, obrigando o movimento a alterar o local de realização para preservar a segurança dos participantes, principalmente mães [3]. Essa é a segunda vez que agentes da SAP utilizam da violência contra o movimento de familiares de pessoas presas, tendo acionado o comando tático da polícia militar para dispersar o primeiro ato realizado em junho [4]. Em resposta, a SAP afirma que as medidas restritivas continuam sob justificativa de evitar ‘aglomeração’, e nega que tenha ocorrido repressão [5]. Vale lembrar que, no ano passado, o Brasil foi denunciado nas Nações Unidas em razão da superlotação das penitenciárias cearenses [6], e que peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) foram impedidos pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos de realizar vistoria nas unidades [veja aqui].
Leia análise do relatório elaborado em 2019 pelos peritos do Mecanismo Nacional de Combate à Tortura sobre as violações de direitos humanos nos presídios do Ceará.
Ministério da Saúde e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) editam Resolução [1] que regulamenta a prescrição de medicamentos cuja eficácia não é cientificamente comprovada para combater o coronavírus [2]. A medida possibilita a prescrição de elementos como a cloroquina e hidroxicloroquina não só para pacientes internados nas redes hospitalares pública e privada, mas também para tratamento ambulatorial, isto é, casos mais leves da doença que não demandam internação [3]. Essa não é a primeira regulamentação que trata da cloroquina no combate ao vírus. A resolução amplia a possibilidade de uso da substância e se dá em contexto de crescente defesa da cloroquina por parte do governo federal, tendo o presidente Bolsonaro já se manifestado em diversas oportunidades a favor do medicamento [veja aqui] e politizado o assunto [veja aqui]; o Ministério da Saúde aprovado protocolo para seu uso [veja aqui]; e o Ministério Público Federal no Piauí ter solicitado protocolo de inclusão da substância para tratamento de pacientes atingidos pela covid-19 [veja aqui]. A Organização Mundial da Saúde finalizou estudo sobre a hidroxicloroquina e chegou à conclusão de que o medicamento apresenta ‘pouca ou nenhuma redução na mortalidade de pacientes com covid-19’ [4] e já havia alertado anteriormente que o isolamento social, enquanto não existirem vacinas com eficácia cientificamente comprovada, é a melhor alternativa para combater o vírus [5].
Leia pesquisa que aponta as evidências mundiais de ineficácia da cloroquina, artigo publicado sobre a pesquisa – em inglês, análise sobre os pronunciamentos de Bolsonaro a favor da cloroquina e estudos que apontam os benefícios do isolamento social enquanto medida combativa do coronavírus.
Governo brasileiro é denuciado por cinco organizações de direitos humanos [1] na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e na Relatoria Especial sobre Direito da Saúde das Nações Unidas em razão da ‘baixa execução do orçamento aprovado para ações relacionadas à pandemia’ [2]. A denúncia é fundamentada em informações contidas no relatório de auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) [3], que demonstra que o Ministério da Saúde (MS) executou apenas 29% do valor de R$38,9 bilhões disponíveis para o enfrentamento da crise da covid-19 [veja aqui] [4]. Antes mesmo da avaliação feita pelo TCU, outros levantamentos apontaram que o MS só teria desembolsado 10% da verba disponível [veja aqui]. A denúncia ainda traz exemplos de declarações do presidente Jair Bolsonaro que negam a gravidade da pandemia [veja aqui] e incentivam medidas contrárias ao isolamento social, como a retomada das atividades econômicas [veja aqui] [5]. A denúncia se soma a outras representações internacionais contra o governo Bolsonaro em razão de postura considerada negligente no combate da covid-19 [6], como a queixa perante o Tribunal Penal Internacional para responsabilizar o presidente por crime contra humanidade [veja aqui]. Vale notar que em maio o governo federal apresentou dificuldades em garantir a liberação do auxílio emergencial [veja aqui], que o Legislativo aprovou Emenda Constitucional para flexibilizar o orçamento e as compras públicas com vistas a combater a pandemia [veja aqui] e que em junho o presidente vetou dispositivo legal que autorizava repasse de valores para estados e municípios no contexto da crise sanitária em prol do pagamento da dívida pública [veja aqui]. Em janeiro de 2021, diante do colapso do sistema público da cidade de Manaus [7], o Conselho Federal da OAB apresenta uma nova denúncia a CIDH contra o governo Bolsonaro por considerar que ‘as ações ou falta delas (omissões) do Estado brasileiro contribuíram para a o agravamento da crise hospitalar que inevitavelmente se instauraria’ no contexto da pandemia do coronavírus [8].
Leia análise sobre as possibilidades de responsabilização jurídica do presidente pela condução da pandemia
Organizações de profissionais da saúde apresentam queixa contra o presidente Jair Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional (TPI) por crime contra humanidade relacionado à ‘falhas graves e mortais na condução da pandemia de covid-19’ [1]. São destacadas ações e omissões de Bolsonaro que teriam contribuído para o aumento da proliferação do coronavírus e da mortalidade [2], como: provocar aglomerações [veja aqui], participar de atos políticos [veja aqui], não utilizar máscara de proteção [veja aqui], desdenhar a doença em pronunciamentos públicos, chamando-a de ‘gripezinha’ [veja aqui] , negar medidas de isolamento social [veja aqui], além de incentivar a utilização da hidroxicloroquina, a despeito da ausência de comprovação científica [veja aqui]. A petição também inclui medidas formais [3], como as demissões de ministros da saúde [veja aqui], a realização de vetos na lei sobre obrigatoriedade do uso de máscaras [veja aqui] e na lei para proteção de povos indígenas e tradicionais na pandemia [veja aqui]. Outro elemento citado pelos peticionários é a declaração do ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, sobre a configuração de genocídio [4] [veja aqui]. Essa é terceira queixa no TPI contra Bolsonaro, sendo a primeira voltada para o reconhecimento de genocídio indígena [veja aqui] e a segunda também focada nas mortes decorrentes da má gestão na pandemia [veja aqui]. De todo modo, é incerto que os pedidos tenham sucesso na corte [5] [6] [7]. Em 14/09 o TPI arquiva temporariamente os três pedidos de representação contra o presidente [8].
Ouça podcast sobre como funciona o TPI e quais os principais argumentos das queixas dos profissionais da saúde contra Bolsonaro e leia análise sobre todas as representações contra o presidente no TPI.
Dados divulgados pelo Departamento Penitenciário (Depen) [1] apontam aumento de 134% dos casos confirmados de covid-19 para pessoas privadas de liberdade; número superior ao aumento de 82% verificado no mesmo período para a população brasileira [2]. De acordo com apuração, os números de casos de infecção em 28 de junho foram de 4.473 frente a 10.471 casos em 27 de julho [3]; na semana seguinte, em 03/08, esse número já atingia 13.305 casos, segundo informado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) [4]. O aumento de casos coincide com a ampliação da aplicação de testes na população carcerária [5]; no entanto, organizações consideram que os números são subnotificados e apontam inconsistências metodológicas, como a variação do número de testes informados pelo Depen [6]. Os indícios de subnotificação coincidem com denúncias de que o governo de São Paulo teria omitido 11 mil casos de covid-19 em junho [veja aqui]. O aumento de contaminações ocorre no contexto de renovação da Recomendação 62 do CNJ [7] – orientações ao Judiciário para adoção de medidas à prevenção do coronavírus nos sistemas prisional e socioeducativo -, registrando-se baixa adesão do Judiciário em cumprir as diretrizes oficiais [veja aqui]. Em São Paulo, estado que lidera o número de contaminações [8], pesquisa revela que o Tribunal de Justiça negou 88% dos pedidos de habeas corpus fundamentados pela aplicação da Recomendação [9]. Igualmente, no Superior Tribunal de Justiça, observa-se a rejeição de quase 85% dos pedidos com a mesma fundamentação [veja aqui].
Leia análises sobre decisões judiciais que ignoram os efeitos da covid-19 para população prisional, os impactos do coronavírus no sistema carcerário para população negra, o direito a saúde para pessoas presas, e assista documentário sobre o tema.
O General Eduardo Pazuello, interino à frente do Ministério da Saúde (MS) [veja aqui], modifica a recomendação do MS nos casos de apresentação de sintomas leves da covid-19 e orienta, agora, que também nesses casos procure-se imediatamente auxílio médico [1]. Nas gestões anteriores, a recomendação para tais casos era a de permanecer em casa e realizar o acompanhamento médico via Telesus, para que não houvesse risco de aumento no contágio em razão do contato presencial com o médico [2]. Pazuello diz que ‘é a ideia de que você não deve ficar em casa isolado, sozinho (…) hoje se descobriu que a melhor maneira de tratar é buscar o atendimento básico, e o médico diagnosticar’ [3]. Especialistas apontam que deve mesmo haver o acompanhamento dos sintomas, mas que a rede de saúde deve estar preparada para evitar a transmissão do vírus [4]. A modificação na recomendação e o incentivo do tratamento precoce para os casos leves ocorre após Pazuello aprovar, no mês de maio, novo protocolo que amplia o uso de cloroquina para estes mesmos casos, mesmo sem evidências científicas da eficácia do medicamento [veja aqui]. A nova recomendação está em consonância com o posicionamento do presidente Jair Bolsonaro, que diversas vezes se manifestou contra o isolamento social – em abril, por exemplo, ele afirmou, contrariando dados científicos, que o isolamento foi inútil [veja aqui] e semanalmente descumpre recomendações sanitárias [veja aqui].
Leia análise sobre o incentivo do governo ao ‘tratamento precoce’ da covid-19.
Em sua videoconferência semanal, o presidente Jair Bolsonaro anuncia que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) irá facilitar a aquisição de hidroxicloroquina e ivermectina, medicamentos que vêm sendo usados no combate à covid-19, mas não têm comprovação científica de eficácia [1]. Segundo ele, o presidente da Anvisa, almirante Antônio Barra, teria lhe informado da nova regulação e, a partir dela, não seria mais preciso apresentar duas vias de receita para comprar os medicamentos [2] [veja aqui]. A exigência de duas vias, que implica a retenção de uma delas em drogarias e farmácias, passou a ser estabelecida para a ivemectina em julho e para a hidroxicloroquina em março, como desincentivo à compra indiscriminada das drogas [3]. Na mesma ocasião, o presidente também afirma a suposta eficácia da cloroquina no seu tratamento [4], como afirmou em outras situações [veja aqui] e, mais cedo, em visita a Belém, também reafirmou a utilidade do remédio [veja aqui]. No dia seguinte, porém, a Anvisa afirma que não iria alterar a regra sobre aquisição dos medicamentos, como Bolsonaro sinalizou [5]. Em setembro, porém, volta atrás e deixa de exigir retenção de receita para os medicamentos [6]. Vale lembrar que, em maio, o ministro interino da Saúde já havia aprovado novo protocolo para manejo da cloroquina no tratamento de doentes, que foi contra recomendações da OMS [veja aqui] e também pesquisas científicas [7] e, na semana anterior, parlamentar da oposição ajuizou ação contra o presidente em razão do prejuízo aos cofres públicos decorrente do aumento de produção de cloroquina [veja aqui].
Leia reportagem sobre o estudo brasileiro que descredita a cloroquina para o tratamento de contaminados por covid-19 e perguntas e respostas sobre o uso do medicamento – inclusive no âmbito político pelo presidente.
Completa-se o terceiro mês sem ministro oficial da Saúde [veja aqui]. Desde a saída de Nelson Teich [veja aqui], o general da ativa Eduardo Pazuello vem à frente do ministério da Saúde. O trimestre encerra-se poucos dias após o Brasil ultrapassar a marca de 100 mil óbitos decorrentes da covid-19 [1]. Após questionamentos recorrentes sobre sua condição de membro da ativa das Forças Armadas (FA), Pazuello deixou o comando da 12ª região militar – frente na Amazônia Ocidental que havia assumido desde janeiro deste ano -, mas se manteve na ativa [2]; o movimento foi visto por analistas como indícios da permanência do militar no comando do ministério [3]. Mesmo sendo elogiado e defendido por Bolsonaro [4], o ministro foi um dos menos recebidos pelo presidente, o que ilustra o seu pouco protagonismo [5], a despeito da emergência sanitária – cenário que já vinha se desenhando também no mês anterior [veja aqui]. Em reunião com a OMS, ele não fez menção aos, então, mais de 105 mil mortos pela Covid-15 [6] [veja aqui], ressaltando apenas aspectos positivos da gestão – o que se alinha à postura da Secretaria de Comunicação do Governo (Secom) [veja aqui]. Além disso, o general foi alvo de críticas por nomear uma amiga sem experiência em gestão para chefiar o ministério da Saúde em Pernambuco [7]; outra vaga na saúde também foi, recentemente, ocupada por nome sem experiência [veja aqui].
Deputados estaduais da bancada religiosa da Assembleia Legislativa de Pernambuco participam, ao lado de outros grupos religiosos, de protestos em frente a hospital em oposição ao procedimento de interrupção de gravidez de uma menina de dez anos vítima de violência sexual [1]. Os Parlamentares Joel da Harpa (PP-PE) e Clarissa Tércio (PSC-PE), que defendem a ideia de ‘vida desde a concepção’, reclamam que o médico do hospital não tenha autorizado suas entradas no edifício e classificam o procedimento como ‘ilegal’ e ‘obscuro’, comparando-o a um ‘homicídio’ [2]. O aborto é autorizado pelo Código Penal em três situações: violência sexual (estupro), risco à vida da gestante e anencefalia do feto; nesses casos, deve ser assegurado o acesso gratuito a serviços de saúde especializados [3]. A identidade da criança, seus dados médicos e as informações sobre o hospital são protegidos legalmente pelo segredo de justiça; no entanto, tais dados foram revelados na internet pela ativista radical Sara Giromini que estimulou manifestantes antiaborto a estarem no local [4]. Em reação à presença de grupos e parlamentares religiosos, ativistas da Frente Pernambuco pela Legalização do Aborto se organizam para proteger a entrada do hospital [5]. Profissionais de saúde confirmam que o procedimento foi apenas acompanhado pela avó da menina e por assistente social [6]. O caso se insere em contexto de retrocessos na seara dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres: em 2019 pesquisa revela que 43% dos hospitais cadastrados no Ministério da Saúde para realizar aborto legal se negam a fazê-lo [veja aqui], além disso, a ministra Damares Alves defende a vida ‘desde a concepção’ em discurso na ONU [veja aqui], denuncia revista por reportagem sobre aborto legal [veja aqui] e lança campanha que defende a abstinência sexual contra gravidez precoce [veja aqui]. Ao longo de 2020, o Itamaraty se abstém em votação de resolução que visa ao fortalecimento de direitos sexuais e reprodutivos [veja aqui] e realiza conferência anti-aborto [veja aqui].
Leia análises sobre os desafios enfrentados para a legalização do aborto, sobre os obstáculos enfrentados para efetivar o direito ao aborto legal, sobre o que diz a legislação brasileira em comparação com a normativa de outros países , e ouça podcast sobre suspeita de interferência ministra Damares Alves no caso.
Durante o ‘Encontro Brasil vencendo a Covid-19’, promovido pelo governo federal no Palácio do Planalto [1], o presidente Jair Bolsonaro relembra a narrativa da imprensa sobre declaração em que comparou a covid-19 a uma ‘gripezinha’ [veja aqui] e diz que jornalista ‘bundão’ tem menos chance de sobreviver ao vírus [2]. A declaração ocorre um dia após Bolsonaro ter ameaçado dar ‘porrada’ em jornalista que o questionou sobre depósitos recebidos pela primeira dama [veja aqui]. No dia do evento, oportunidade em que registram-se 114.772 mortos pelo coronavírus, também são realizadas falas pelo presidente e por médicos presentes que promovem a hidroxicloroquina e a cloroquina [3], medicamentos sem eficácia comprovada [veja aqui], exaltadas por Bolsonaro desde abril [veja aqui] e regulamentadas em julho pela Anvisa [veja aqui]. Além disso, o número de vítimas atingidas pela covid-19 não é mencionado pelas autoridades – estratégia anteriormente exposta tanto pela Secretaria de Comunicação do Governo (Secom) [veja aqui], quanto pelo próprio ministro da Saúde [veja aqui] -, e médicos junto com o presidente formam aglomerações ao participarem de fotos coletivas [4]. Em reação ao conjunto de declarações do presidente, o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, fala em ‘grosseria’ e alerta para os perigos do ‘desapreço pela liberdade de imprensa’ [5]. No dia seguinte, em evento público em Minas Gerais, Bolsonaro volta a ofender repórter em entrevista chamando-o de ‘otário’ [veja aqui].
Leia análises sobre o conjunto de ofensas a jornalistas realizadas por Bolsonaro e entenda por que não se pode afirmar que o Brasil venceu a covid-19.