O Ministério das Relações Exteriores publica edital que exclui da lista de conhecimentos exigidos para a prova de ingresso na carreira diplomática conteúdos referentes às políticas econômicas dos governos petistas [1], que previam comparações nos dois mandatos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva e efeitos positivos das políticas distributivas de renda no governo de Dilma Rousseff [2]. As alterações também incluem a supressão de menção a gênero e raça do item que trata das políticas de identidade [3]. Professores encaram as exclusões como um retrocesso e possível ‘orientação ideológica’ nas modificações [4]. Vale notar que as mudanças estão alinhadas com outras posturas adotadas pelo Ministério, quando o ministro Ernesto Araújo exclui curso sobre América Latina de formação de diplomatas [veja aqui], chancela a retirada de menção a direitos LGBT em documento [veja aqui] e reforça matriz ‘antigênero’ da política externa brasileira [veja aqui]. Além disso, o Itamaraty orienta diplomatas sobre gênero ser apenas sexo biológico [veja aqui], censura informações sobre política de gênero até 2024 [veja aqui] e o governo Bolsonaro, ao se candidatar para o Conselho de Direitos Humanos da ONU, omite temas fundamentais como ‘gênero’, ‘tortura’ e ‘migração’ [veja aqui].
Leia a análise sobre a política antigênero do governo Bolsonaro.
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) – órgão de inteligência financeira destinado à investigação de movimentações suspeitas e reestruturado no governo Bolsonaro – e o ministro da Economia, Paulo Guedes, não esclarecem ao Tribunal de Contas da União (TCU) se o órgão estaria investigando o jornalista Glenn Greenwald [1]. A justificativa dada pelo órgão é que este não poderia se pronunciar sobre casos concretos; já Guedes afirma que não conheceria o caso. As respostas são consideradas evasivas e não deixam claro se há ou não investigação em curso [2]. Greenwald é fundador do The Intercept, site que publicou conversas entre Sergio Moro, ministro da Justiça, e a força tarefa da operação Lava-jato; as suspeitas da investição são levantadas após Moro não esclarecer se o procedimento existiria ou não [3]. O Ministério Público junto ao TCU pede que toda investigação sobre Greenwald seja suspensa; de acordo com o tribunal, a Polícia Federal teria pedido uma investigação que poderia ser uma ameaça à liberdade de imprensa [4]. O partido Rede, da oposição ao governo federal, pede o Supremo Tribunal Federal (STF) que as investigações sejam interrompidas [5], pedido que é atendido pelo magistrado Gilmar Mendes [6]. Entidades da sociedade civil, como a OAB pedem que Coaf explique as investigações contra Glenn [7]. Em 23/07, a PF afirma ao STF que Greenwald não é investigado [8]. Em 11/09, é enviado ao Ministério Público do Rio de Janeiro investigação do Coaf sobre David Miranda, marido do jornalista e deputado federal pelo PSOL; Greenwald vê isso como movimento de retaliação do governo federal [9]. Greenwald já foi chamado de ‘malandro’ por Bolsonaro [veja aqui] e, posteriormente, foi denunciado pelo Ministério Público Federal sem investigação [veja aqui].
Leia análise sobre as investigações do Coaf, as investidas de Sergio Moro contra quem vazou suas conversas e reportagem em que Glenn se pronuncia sobre o caso
O Brasil formaliza candidatura a um assento no Conselho de Direitos Humanos (CDH) da ONU [1]. O documento apresentado para a candidatura não menciona temas como ‘migração’, ‘gênero’ e ‘tortura’, que estavam presentes em anos anteriores [2]. O Presidente Jair Bolsonaro se manifesta nas redes sociais afirmando que as prioridades no documento são o ‘fortalecimento das estruturas familiares e a exclusão das menções de gênero’ [3]. O texto também não cita direitos LGBTI nem direitos reprodutivos das mulheres, cuja pauta, na visão do Presidente, promove a defesa do aborto [4]. Na mesma ocasião, o país deixa de votar resolução para que sejam investigadas execuções extrajudiciais realizadas pela polícia do governo filipino [5]. Além disso, o governo Bolsonaro deixou o Pacto Global para a Migração no início do ano [veja aqui] [6], já defendeu a ditadura de 1964 [veja aqui], elogiou torturador [veja aqui] e chamou tortura de presos de ‘besteira’ [veja aqui]. A Secretaria da Família afirma que a essência da Declaração Universal de Direitos Humanos ficou de lado com o enfoque em pautas minoritárias [7] e que ‘durante um bom tempo, houve um direcionamento ideológico dos direitos humanos’ [8]. As relações diplomáticas do Brasil com o CDH estão estremecidas, pois em sua campanha eleitoral, Bolsonaro afirmou que pretendia retirar o país do CDH [9] e gerou desconforto ao atacar Michelle Bachelet e seu pai, torturado e morto na ditadura chilena [veja aqui]. Na mesma linha, o Itamaraty orienta diplomatas sobre gênero ser apenas ‘sexo biológico’ [veja aqui] e censura informações sobre política de gênero [veja aqui]. Diversas ONGs se posicionam contra a candidatura, pois o governo promove diversos retrocessos na área dos direitos humanos [10]. Em outubro, o Brasil consegue manter seu assento no CDH [11].
Leia mais sobre o funcionamento das eleições do Conselho de Direitos Humanos da ONU e ouça a análise sobre a reeleição do Brasil para o órgão.
A Agência Nacional de Águas (ANA) publica resolução [1] que abre portas para o uso de recursos hídricos em áreas ao redor de terras indígenas, incluindo instalação de usinas hidrelétricas, sem participação da Funai nos processos de outorga [2]. Como previsto na Constituição Federal, o uso de recursos hídricos em terras indígenas é permitido mediante permissão do Congresso Nacional [3]. A nova resolução [4] traz a possibilidade do uso de recursos hídricos [5] nas áreas ao redor das terras indígenas sem necessidade da permissão da União [6]. Mesmo se tratando de terras próximas a terras indígenas, o uso de recursos hídricos nessas áreas poderá afetar na qualidade ou quantidade de água nas próprias terras indígenas [7]. Apesar do potencial de afetar terras indígenas, essa mudança normativa faz com que a FUNAI só receba a notificação da outorga quando ela já tiver sido deferida. Ou seja, caso haja qualquer contraposição referente à solicitação de uso que afete terras indígenas, só poderá ser realizada após a concessão da outorga e não durante o processo[8].
Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, determina monocraticamente – individualmente e sem concordância do plenário – a suspensão de investigações criminais baseadas em dados obtidos por órgãos de controle administrativo sem autorização judicial prévia [1]. A decisão, na prática, suspende inquérito conduzido pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) que investiga práticas ilícitas por parte do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro [2]. A investigação envolvendo Flávio se iniciou com o compartilhamento de dados entre o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e o MPRJ, após identificação de transferências financeiras entre o senador e seu ex-assessor, Fabrício Queiroz, no valor de R$1,2 milhão [3]. Posteriormente, a Justiça do Rio de Janeiro permitiu a quebra do sigilo bancário de Flávio [4]. Em recurso apresentado a Toffoli, a defesa do senador alegou que o MPRJ se valeu do Coaf para ‘criar atalho e se furtar ao controle da Justiça’ e que a quebra do sigilo bancário não poderia ser feita sem autorização judicial prévia [5]. O ministro acatou a argumentação de defesa e decidiu pela suspensão de todas as investigações criminais semelhantes, atingindo outros casos em todas as instâncias judiciais, envolvendo a investigação de corrupção e lavagem de dinheiro e tráfico de drogas [6]. Em reação, procuradores da operação Lava Jato criticam a decisão de Toffoli e alegam que esta ‘suspenderá praticamente todas as investigações de lavagem de dinheiro no Brasil’ [7]. Em dezembro de 2019, o plenário do STF reverte a decisão de Toffoli, por 10 votos a 1, e fixa a tese de que ‘é valido o compartilhamento de informações da Receita com órgãos de investigação’ sem a necessidade de autorização judicial prévia [8]. O presidente do Coaf, que critica a decisão de Toffoli, é posteriormente exonerado do cargo [veja aqui], um dia após a edição de Medida Provisória pelo presidente Bolsonaro que reduziu o número de Ministérios e transferiou o Coaf para a pasta da Justiça [veja aqui]. Em outra oportunidade, Toffoli determinou a quebra do sigilo bancário de 600 mil pessoas sob justificativa de ‘compreender relatórios financeiros’ [veja aqui].
Ouça podcast sobre as repercussões da decisão para o caso que envolve Flávio Bolsonaro.
Decreto presidencial [1] altera a composição do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) e exclui participação da sociedade civil [2]. A composição anterior ao decreto contava com 31 representantes, divididos em 13 da sociedade civil, de especialidades como jurista, médico e psicólogo,17 do governo federal e um do conselho estadual sobre drogas [3]. Com a alteração, o Conselho passa a ser formado quase que exclusivamente por representantes do governo federal, com apenas um de órgão estadual e um de conselho estadual que tratem da temática de drogas [4]. Bolsonaro afirma que a mudança visa a extinguir ‘órgãos aparelhados’ no Conad [5], mas atas comprovam a diversidade de opiniões nas discussões e desmentem suposto ‘aparelhamento’ [6]. A alteração recebeu duras críticas da Comissão Nacional de Direitos Humanos, ao afirmar que viola o sentido constitucional de políticas públicas construídas e fiscalizadas pela sociedade [7] e de entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, que considera um ataque à democracia [8], o Conselho Federal de Psicologia, que alerta para o retrocesso da mudança [9] e a OAB do Ceará, que julga a alteração como contrária aos princípios democráticos [10]. Em janeiro de 2021, o Conselho Federal da OAB apresenta ação ao Supremo Tribunal Federal (STF) visando restaurar a participação da sociedade civil no Conad, demandando a inserção de figuras como jurista, médico, psicólogo, assistente social, enfermeiro, entre outras na composição do conselho [11]. Em outra oportunidade, Bolsonaro editou decreto que extinguiu grupos de trabalho, comitês e conselhos de participação da sociedade civil em órgãos da Administração Pública [veja aqui].
Leia as análises sobre como a eliminação de espaços participativos prejudica a democracia, outras alterações na Política Nacional sobre Drogas no governo Bolsonaro, a pesquisa da Fiocruz sobre o uso de drogas e as distorções das informações trazidas pelo governo e sua política pautada por tentativas de controle da sociedade civil.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) baixa portaria nº 666/2019 [1], regulamentando a lei da migração sancionada durante o governo de Michel Temer e endurecendo o tratamento dado a estrangeiros suspeitos de diversos crimes, prevendo inclusive sua deportação e impedimento de ingresso no país [2]. Não é necessária acusação formal, já que a portaria fala apenas em ‘suspeitos’ [3]. No rol de crimes constantes, encontram-se terrorismo, pedofilia, tráfico de drogas e envolvimento em crime organizado ou organização criminosa armada [4]. A portaria prevê que a deportação seja sigilosa e não esclarece se o acusado terá acesso à motivação (o que é vedado pela legislação brasileira) [5]. A norma é editada em meio à troca de acusações entre o presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Justiça Sergio Moro e o jornalista norte-americano Glenn Greenwald, estrangeiro residente no Brasil e cujo site ‘The intercept’ publicou uma série de mensagens entre o ministro, ex-juiz da operação Lava Jato, e procuradores do Ministério Público responsáveis pela força-tarefa da operação [6] – o presidente chega a afirmar que o jornalista ‘talvez pegue uma cana aqui no Brasil’ [veja aqui]. Bolsonaro afirma também que não seria xenófobo, mas ‘na minha casa entra quem eu quero, e minha casa no momento é o Brasil’ e que mesmo se as pessoas a serem deportadas fossem apenas suspeitas, deveriam sair do país [7]. Já Greenwald afirma que a portaria seria ‘terrorismo’ e o MJSP informa que a portaria não se dirige a casos em que há ‘vedação legal, como de estrangeiro casado com brasileiro ou com filhos brasileiros’ – situação de Glenn [8]. Organizações da sociedade civil também se posicionam contra a norma, alegando que não respeitaria o direito à presunção de inocência [9]. Em setembro, a Procuradoria Geral da União entra com ação no Supremo Tribunal Federal para a suspensão da portaria [10] e um mês depois o MJSP volta atrás e revoga a norma [11].
Leia as análises sobre quais as polêmicas por trás da portaria, decisão do STF sobre migração, sobre deportação e lei de migração e ouça podcast sobre investigação da portaria.
Durante o 20º Festival de Inverno em Bonito, no Mato Grosso do Sul (MS), a Polícia Militar interrompe o show da banda BNegão & Seletores de Frequência e expulsa todos do local [1]. Durante a apresentação, o cantor se posiciona de forma contrária à violência policial e aos ataques nas aldeias Wajãpis, no Amapá e critica o presidente Jair Bolsonaro [2]. As críticas também ocorrem durante o show anterior, da cantora Gal Costa, em que o público se manifesta com gritos de ordem e xingamentos ao presidente [3]. De acordo com BNegão, o estopim para a interrupção se dá quando ele diz, no palco, que produtores do evento teriam sido agredidos por policiais dois dias antes [4]. Uma das produtoras foi agredida por policiais, que a levaram algemada para a delegacia e o outro foi detido ao filmar a ação ilegal da polícia [5]. O Fórum Estadual de Cultura do MS divulga nota de repúdio frente ao ocorrido [6]. Sobre a interrupção do show, o cantor afirma se tratar de censura e ressalta o uso desproporcional da força pelos policiais, que empurraram as pessoas e utilizaram cassetetes e gás de pimenta [7], fato corroborado por relatos de pessoas que assistiam ao show, ao afirmarem que a polícia agiu de forma ‘truculenta’ [8]. Em nota, a prefeitura de Bonito repudia as manifestações políticas que ocorreram no festival [9] e a Polícia Militar declara que as acusações são inverídicas e que os policiais foram averiguar as denúncias de que pessoas estariam fazendo o uso de entorpecentes no local do evento [10]. Em março, foliões denunciaram violência policial durante o Carnaval [veja aqui] e outras interferências na área cultural ocorrem, como os cancelamentos de peça de teatro com cena de nudez [veja aqui], de peça infantil com temática da repressão e ditadura [veja aqui], da apresentação de cantora transexual em Parada LGBT , de eventos e espetáculos com temática LGBT e democracia [veja aqui] e adiamento da estreia do filme ‘Marighella’ [veja aqui].
Leia a entrevista com BNegão sobre o ocorrido e a análise sobre as estratégias do governo vistas como censura a produções culturais.
O presidente Jair Bolsonaro baixa decreto [1] que reformula as atribuições do Conselho Nacional do Trabalho. O decreto revoga outros dois sobre o tema: um [2] que criou o Fórum Nacional do Trabalho – agora extinto – que buscava promover entendimento entre trabalhadores e empregadores [3] e outro [4] que previa para o Conselho a finalidade de promoção da justiça social e democratização das relações de trabalho [5]. Com o novo decreto, o Conselho perde a função de acompanhar o cumprimento dos direitos constitucionais dos trabalhadores, limitando-se a propor políticas visando à modernização das relações de trabalho [6] e passa a ter número menor de participantes, sofrendo uma alteração de 30 para 18 representantes do governo, empregadores e trabalhadores [7]. O decreto também reformula a Comissão Tripartite Paritária Permanente, que passa a propor ações nas áreas de segurança e saúde no trabalho [8], perdendo o caráter ativo que tinha antes, por atuar agora somente quando for solicitada para participar da revisão de normas sobre o tema [9]. Em reação às mudanças, o Observatório de Análise Política em Saúde afirma que o decreto promove uma diminuição da participação da sociedade civil nas decisões do Estado e do poder de ação presente no órgão, reforçando uma perspectiva de desregulamentação geral do mundo do trabalho [10]. Essa não é uma medida isolada do governo, que em novembro de 2019 [veja aqui] e em março de 2020 [veja aqui] edita Medidas Provisórias flexibilizando direitos trabalhistas.
O oceanógrafo José Martins Júnior é transferido pelo ICMBio da área de preservação marinha de Fernando de Noronha para a Floresta Nacional de Negreiros, no sertão de Pernambuco [1]. Martins trabalhava como analista ambiental na ilha e acredita que a mudança se deve ao interesse de empresários da região [2]. O presidente do instituto, indicado pelo Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, justifica, através de ofício, que a transferência ocorre em razão da diferença no número de servidores que atuam nas duas regiões [3]. No entanto, Martins aponta a diferença na extensão das duas áreas de proteção, que ensejaria um número distinto de funcionários, e o fato de que seu currículo é voltado para o estudo de animais marinhos, em especial, golfinhos [4]. Pesquisadores criticam a medida [5]. A Justiça suspende a transferência do servidor [6], que permanece em seu cargo até o julgamento ação [7]. Em fevereiro, o chefe do Parque Nacional Marinho de Noronha, crítico ao aumento do turismo na região, foi exonerado logo após reunião de Salles com empresários da ilha [8] [veja aqui]. Em maio, ex-ministros do Meio Ambiente acusaram o governo de desmonte das políticas ambientais [9]. O governo Bolsonaro exonera, no dia seguinte, diretores do Inpe [veja aqui] e, em abril do próximo ano, diretores do Ibama [veja aqui], reduzindo a fiscalização ambiental [10] e intervindo em órgãos ligados à causa [veja aqui]. Em 2020, o Ministro Ricardo Salles afirma se aproveitar da crise sanitária para flexibilizar políticas ambientais [veja aqui] e o senador Flávio Bolsonaro disse que pretende liberar a entrada de cruzeiros no arquipélago de Fernando de Noronha [11].
Leia análise sobre o histórico de demissões de cientistas e técnicos no primeiro semestre do governo Bolsonaro.