O Itamaraty se recusa a publicar um livro que trata da biografia de Alexandre de Gusmão, diplomata que teve um papel fundamental na diplomacia brasileira, em razão do prefácio ter sido escrito por Rubens Ricupero, desafeto político do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e um dos maiores críticos à atual política externa brasileira [1]. O livro havia sido aprovado pelo conselho editorial da Fundação Alexandre de Gusmão (Funag) vinculada ao Ministério, mas quando o prefácio foi inserido, o presidente da Funag afirmou que não publicaria o livro porque o autor do prefácio ‘ataca muito o ministro’ [2]. O autor do livro afirma se tratar de censura [3]. O Itamaraty justifica a não publicação em razão do material ter sido examinado sem o prefácio [4]. O prefácio em questão trata exclusivamente da trajetória de vida de Gusmão, sem fazer qualquer menção à política atual [5]. Com o veto do Itamaraty, a editora Record decide publicar o livro [6]. Vale notar que, em setembro, o Itamaraty pede a retirada de filme de festival internacional que conta a história de Chico Buarque, medida também vista como censura [veja aqui]. Além disso, Ernesto Araújo exclui curso sobre América Latina de formação de diplomatas [veja aqui] e retira conteúdos ligados às políticas econômicas de governos petistas de edital para ingresso na carreira diplomática [veja aqui].
Leia a análise sobre o lugar que Ernesto Araújo ocupa na diplomacia brasileira.
Presidente Jair Bolsonaro nomeia último candidato em lista tríplice elaborada pelo Conselho Universitário (Consuni) para a reitoria da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRC) [1]. O presidente nomeia como reitor o professor Fábio do Santos, que recebeu apenas 3 votos dos 25 do Consuni, não apontando para o cargo a primeira colocada na lista tríplice com 17 dos 25 votos do Conselho [2]. Em 30/07, o Consuni encaminhou moção de preocupação ao Ministério da Educação, apontando a vacância do cargo de reitor da instituição – tendo em vista o término do mandato do reitor anterior, e solicitando a imediata nomeação e posse de Georgina, eleita pela maioria do Consuni e responsável por encabeçar a lista tríplice [3], o que não é acatado por Bolsonaro, ao decidir nomear o terceiro colocado na lista [4]. A nomeação representa quebra de tradição existente desde o governo Lula, na qual o presidente da República sempre nomeava o primeiro colocado da lista tríplice, em atendimento às eleições acadêmicas e à autonomia universitária [5]. Entidades sindicais repudiam a nomeação e apontam constantes ataques do governo federal à autonomia universitária [6]. Em outras oportunidades, Bolsonaro também não seguiu as decisões dos conselhos universitários e comunidades acadêmicas e nomeou segundos e terceiros colocados para as reitorias das universidades federais do Ceará [veja aqui], Triângulo Mineiro [veja aqui] e dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri [veja aqui]. Levantamento mostra que 43% das nomeações feitas pelo presidente não seguiram o primeiro colocado da lista tríplice [7]. No fim de 2019, Bolsonaro editou Medida Provisória (MP) que alterou o processo de escolha dos reitores [veja aqui], e em 2020 outra MP possibilitou o Ministro da Educação nomear reitores temporários durante a pandemia [veja aqui].
Leia carta de repúdio de reitores eleitos, porém não nomeados, e análises sobre as intervenções de Bolsonaro nas universidades federais, e sobre outros ataques à liberdade acadêmica realizados pelo governo federal.
O presidente Jair Bolsonaro altera o quadro de integrantes da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), substituindo quatro dos sete integrantes [1]. Nas palavras de Bolsonaro, a justificativa é que ‘mudou o presidente, agora é o Jair Bolsonaro, de direita. Ponto final’ [2]. O novo nomeado para presidir a CEMDP, Marcos Vinicius Pereira Carvalho, é filiado ao partido que elegeu Jair Bolsonaro, o PLS, e substitui a procuradora Eugênia Gonzaga que, na semana anterior, criticou publicamente Bolsonaro [3], o qual havia declarado que poderia contar ao presidente da Organização dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, como seu pai teria desaparecido na ditadura militar [veja aqui]. No mesmo dia, um grupo de familiares de vítimas da ditadura enviam carta à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em que classificam a exoneração e substituição de membros da CEMDP como um ataque ‘a memória e a verdade sobre as graves violações de direitos humanos e crimes contra a humanidade’ [4]. Ainda, em reação às alterações, o Ministério Público Federal (MPF) ajuíza ação civil pública [5] para anular as nomeações em razão de desvio de finalidade e vícios quanto à motivação [6], a ação, no entanto, é extinta em outubro pela Justiça Federal [7]. Uma semana após às trocas, Bolsonaro chama Carlos Alberto Brilhante Ustra, tenente responsável pela repressão ditatorial, de ‘herói nacional’ [veja aqui]. No ano seguinte, em janeiro, o governo federal aprova novo regimento interno da CEMDP, reduzindo suas atribuições e ampliando a discricionariedade presidencial sobre a escolha de seus membros [veja aqui].
Leia análise sobre os impactos das mudanças de membros da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, e entenda suas funções.
Ricardo Galvão, diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), é exonerado por Marcos Pontes, Ministro da Ciência e Tecnologia, após críticas do presidente Jair Bolsonaro aos alertas de desmatamento apresentados pela instituição [1], que foram os maiores dos últimos dez anos [2]. As críticas mais duras começaram duas semanas antes da exoneração, quando o presidente Jair Bolsonaro afirmou que os dados do Inpe eram ‘mentirosos’ [3], que o diretor estaria ‘a serviço de alguma ONG’ e defendeu que a divulgação fosse feita apenas após seu conhecimento [veja aqui]. Galvão responde que a atitude do Presidente era ‘pusilânime e covarde’ [4] e o Inpe publicou nota afirmando que o trabalho no instituto é norteado ‘pelos princípios da excelência, transparência e honestidade científica’ [5]. Desde o início do governo, o trabalho de Galvão também recebe críticas do Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles [6] e, em outras oportunidades, o Ministro das Relações Exteriores e [veja aqui] e o Vice-Presidente Hamilton Mourão [veja aqui] contrariaram dados do Inpe. Através de sistema de monitoramento, o Inpe fornece alertas ao Ibama para auxiliá-lo nas ações de fiscalização de desmatamento [7] — Galvão afirma que desde janeiro a comunicação entre os órgãos está dificultada [8]. A exoneração do diretor é criticada por ambientalistas [9] e cientistas [10] e gera repercussão negativa na mídia internacional; o Greenpeace afirmou que o governo ‘implementa um projeto antiambiental’ e a revista científica Nature publicou artigo afirmando que o Presidente promove uma crise na ciência brasileira [11]. O Ministério Público Federal publica nota em defesa do trabalho realizado pelo Inpe e afirma que a ‘a manipulação de atos estatais’ será combatida [12]. Cinco dias depois, Salles afirma que exoneração é justificável, pois Galvão teria divulgado ‘dados alarmistas’ [13]. No mês seguinte, sem consultar o Inpe, o Ibama abre processo de licitação para contratar um novo serviço de monitoramento de florestas [14]. Interferências em instituições ligadas ao meio ambiente ocorreram em outros momentos, com a exoneração do diretor do Ibama [veja aqui] e da coordenadora do Inpe [veja aqui], e a transferência de pesquisador do ICMBio [veja aqui].
Leia o artigo da revista Nature sobre a relação do governo Bolsonaro com cientistas, e as análises sobre os rumos da política ambiental do governo, o balanço da política ambiental em 2019 e as demissões por discordâncias na gestão Bolsonaro.
O presidente Jair Bolsonaro edita medida provisória (MP 892) [1] que altera legislação sobre sociedades empresariais para dispensar empresas de publicarem balanço financeiro em jornais impressos de grande circulação [2]. Ao anunciar a medida, o presidente afirma que retribuiu ataques da mídia para garantir que empresários tenham ‘custo zero’ com a publicação de balancetes somente no site da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e do Diário Oficial (DO) [3]. A medida é recebida com críticas por associações jornalísticas [4] que apontam para ‘asfixia’ econômica dos jornais e riscos para a transparência [5]; bem como pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) [6]. Além disso, a MP atravessa lei de 2019 [7], sancionada por Bolsonaro em abril, que já previa uma redução dos demonstrativos financeiros a serem publicados por empresas nos jornais impressos e estabelecia um prazo de dois anos de transição para que veículos de imprensa pudessem buscar outras fontes de rendimentos [8]. Em setembro, Bolsonaro edita nova MP que dispensa a administração pública da obrigação de publicar em jornais de grande circulação editais de licitação [veja aqui]. Em novembro a medida é rejeitada pela comissão mista no Senado [9] e em dezembro a MP perde validade sem ter sido votada no Congresso Nacional [10]. As medidas são seguidas por outros cortes de gastos com a imprensa, como a exclusão da ‘Folha de São Paulo’ de edital do governo [veja aqui] e cancelamento de assinatura de todos os jornais e revistas impressos para o Palácio do Planalto [veja aqui].
Leia análise sobre os limites da atuação presidencial na regulação da publicidade de atos oficiais, e ouça podcast sobre a relação do presidente com a imprensa.
Até esta data, o Poder Executivo Federal conta com 1.271 militares da ativa cedidos; o número representa um crescimento de 13,7% com relação ao mesmo período do ano passado [1]. Desse total, 962 são provenientes do Exército, em face de 164 da Marinha e 145 da Aeronáutica [2]. A despeito dos riscos para a democracia indicados por especialistas [3], os quadros militares na administração têm se tornado uma tendência desde o início do governo federal, o qual, em março, já apresentava 8 dos 22 ministérios existentes controlados por representantes da reserva das Forças Armadas (FAs) [veja aqui], sendo, inclusive, nomeado em junho um general da ativa para ocupar cargo de ministro da Secretaria de Governo [veja aqui]. No ano seguinte, a Ancine nomeia capitão de Mar e de Guerra para a Diretoria Colegiada [veja aqui], Bolsonaro convida general do Exército para assumir o ministério da Casa Civil [veja aqui], e o número de militares cedidos para ocuparem cargos administração apresenta crescimento em março [veja aqui], maio [veja aqui] e junho [red id=782] [veja aqui], alcançando-se em julho, após apuração do Tribunal de Contas da União (TCU), o número de 6.157 cargos do Executivo e 2.588 cargos de confiança [veja aqui]. Em meio à crise sanitária do coronavírus que se inicia em 2020, o Ministério da Saúde é uma das pastas mais afetadas [veja aqui], sendo ocupada interinamente por um militar [veja aqui] que nomeia novos militares [veja aqui]. Vale notar que o movimento de militarização é apoiado em discursos pelo presidente [veja aqui].
Leia análise sobre a relação do presidente com os militares, e assista debate sobre a presença dos militares na administração.
O Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), órgão responsável por monitorar práticas concorrenciais no mercado, encontra-se com as atividades paralisadas em razão da ausência de quórum mínimo para funcionamento do conselho [1]. O Cade é formado por sete conselheiros e necessita de ao menos quatro para realizar o julgamento de processos e a tomada de decisões; ocorre que, desde exonerações ocorridas em julho [2], o órgão conta apenas com três conselheiros ativos; na prática, está impedida a realização de operações econômicas, como a fusão e aquisição de novas empresas [3]. Segundo levantamento, ao menos cinco processos economicamente relevantes aguardam julgamento e outros 70 casos já teriam sido aprovados pelos órgãos técnicos [4]. Para que a situação se altere, Bolsonaro precisa indicar os novos nomes, que devem passar pela aprovação do Senado Federal; no entanto, indicações anteriores feitas pelos ministros da Economia e Justiça foram descartadas [5]. A demora seria explicada pelo fato de Bolsonaro ter delegado a escolha de duas das vagas ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), como parte de um acordo político para garantir apoio para nomeação do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL -São Paulo) para embaixada dos Estados Unidos [veja aqui] [6]. Em 23/08 são publicados no Diário Oficial [7] os novos nomes indicados, os quais apenas são confirmados pelo Senado Federal em outubro [8].
Leia análise sobre a relação entre o presidente e o Senado na indicação dos nomes para Cade, e entenda como funciona o órgão.
O Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, em audiência pública da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, reitera posicionamento já externado pelo Itamaraty de que gênero seria apenas sexo biológico [veja aqui]. De acordo com o ministro, as diretrizes atuais da política externa são contra o uso da palavra ‘gênero’ e contra o aborto na discussão sobre direitos sexuais e reprodutivos, o que estaria alinhado à ‘vontade popular’ [1]. O ministro afirma também que há uma ‘demonização da sexualidade masculina’, no contexto da discussão sobre ‘cultura do estupro’ no país [2]. Por outro lado, parlamentares do partido PSOL presentes na reunião criticam as falas do ministro [3] e apontam retrocessos na diplomacia brasileira, os quais já seriam vistos em votações no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU) em que o Brasil acompanhou países islâmicos fundamentalistas para supressão do termo ‘direito à saúde sexual e reprodutiva’ em resolução sobre casamento forçado de meninas [4]. Em linha com as declarações, no mês seguinte, o Ministério de Relações Exteriores se nega a liberar informações sobre a política de gênero que embasa a posição do governo na ONU até 2024 [veja aqui]. Ainda, em discurso na Assembléia da ONU, o presidente Jair Bolsonaro, se posiciona contra a ‘ideologia de gênero’ [veja aqui]. No ano seguinte, o Brasil volta a se alinhar com países reacionários no Conselho de Direitos Humanos da ONU [veja aqui] para retirar o termo ‘intersecção’ da resolução para eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres [5].
Leia análises sobre as políticas avessas à noção de gênero no Brasil e América Latina, a orientação antigênero do governo Bolsonaro e a nova postura ideológica do Itamaraty.
Presidente Jair Bolsonaro nomeia, através de Decreto [1], terceiro colocado em lista tríplice elaborada pelo Conselho Universitário para a reitoria da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) [2]. O professor Janir Soares, último colocado entre os candidatos, teve apenas 5,2% dos votos [3]. A nomeação quebra com tradição fixada desde o governo Lula, do presidente da República nomear o primeiro nome da lista tríplice [4]. Em nota, o Ministério da Educação confirma a nomeação do presidente e diz não existir ‘hierarquia na lista tríplice’ [5]. A comunidade acadêmica reage com surpresa e faz críticas a decisão do presidente. Gilciano Nogueira, o primeiro colocado na eleição acadêmica e na lista tríplice, alega que a ‘democracia na instituição foi ferida de morte’ e vislumbra influência e retaliação política na decisão de Bolsonaro, já que em 2017 Nogueira recebeu o então presidente Lula na inauguração da UFVJM [6]. Entidades sindicais também criticam a nomeação e apontam ataques à garantia constitucional de autonomia universitária [7]. Após protestos estudantis e mobilizações contra a nomeação e o programa Future-se [veja aqui], a reitoria da UFVJM move ação judicial contra representantes universitários por ‘risco de invasão da reitoria e de impedimento da realização de reuniões do Conselho Universitário’ [8]. Em outras oportunidades, Bolsonaro também na seguiu a eleição universitária, nomeando para a reitoria os segundos colocados em listas tríplice nas Universidades Federais do Ceará [veja aqui] e do Triângulo Mineiro [veja aqui], e o último colocado para a Universidade Federal do Recôncavo Baiano [veja aqui]. Estudo demonstra que 43% das nomeações feitas por Bolsonaro não seguiram o primeiro colocado da lista tríplice [9]. Em dezembro deste ano, o presidente editou Medida Provisória (MP) que altera o processo de escolha dos reitores [veja aqui], e em 2020 outra MP possibilitou o Ministro da Educação nomear reitores temporários durante a pandemia [veja aqui].
Leia carta de repúdio de reitores eleitos, porém não nomeados, e análises sobre as intervenções de Bolsonaro nas universidades federais, e sobre outros ataques à liberdade acadêmica realizados pelo governo federal.
Em entrevista, o Presidente Jair Bolsonaro é indagado se ‘é possível crescer com preservação’, em alusão aos desmatamentos ocasionados pela agropecuária [1]. O Presidente responde, em tom jocoso, que para reduzir a poluição ambiental basta comer menos e ‘fazer cocô dia sim, dia não’ [2]. Depois, Bolsonaro afirma que uma solução para a poluição seria, verdadeiramente, o planejamento familiar e que as ‘pessoas que têm mais cultura, têm menos filhos’ [3]. O presidente também defende o agronegócio e afirma que a pressão sobre a Amazônia se deve a interesses externos na floresta [4]. A crítica sobre a atuação de ONGs na região é pauta recorrente nos discursos de Bolsonaro [veja aqui]. A fala do presidente ocorre no contexto em que a política ambiental de sua gestão é duramente criticada pela mídia internacional [5] em razão do aumento dos incêndios na Amazônia [6]. Dias depois, ele mantém sua fala e complementa ‘E aí pessoal, está fazendo cocô dia sim dia não? Se reclamar eu passo para uma vez por semana e boto um fiscal na casa de cada um’ [7]. O governo Bolsonaro é marcado pelo aumento do desmatamento da Amazônia [8] [veja aqui] e alvo de críticas em relação a política ambiental [9] [veja aqui].
Leia mais sobre a história da política ambiental brasileira e como a gestão do meio ambiente no governo Bolsonaro afetou a imagem do Brasil.