O Presidente Jair Bolsonaro edita Medida Provisória (MP) [1] que determina a mudança de nome do Coaf, subordina o órgão, antes vinculado ao Ministério da Economia, ao Banco Central (BC) [2] e transforma o plenário da instituição em conselho deliberativo [3]. Assim, a Diretoria Colegiada do BC passa a definir as regras dos processos administrativos que tramitam no Coaf [4] e o Presidente do BC escolhe os conselheiros e nomeia o presidente do Coaf [5]. A medida também tira a obrigatoriedade dos conselheiros serem servidores efetivos de determinadas entidades [6]. De acordo com Bolsonaro, a mudança visa blindar o Coaf de pressões políticas [7]. Porém, as medidas são interpretadas como possíveis brechas para indicações políticas [8] e uma forma de enfraquecimento institucional do Coaf [9]. A medida é aprovada pelo Congresso e convertida em lei no ano seguinte [10] com algumas mudanças. Dentre elas, retira-se a alteração do nome do Coaf e a transformação do plenário do órgão em conselho deliberativo [11], também restabelece que apenas servidores em cargo efetivo podem compor o plenário, porém o texto abre a possibilidade para indicações políticas no quadro técnico do Coaf, pois este pode ser composto por cargos de confiança [12]. A MP é editada pelo presidente após a suspensão do inquérito com dados do Coaf no qual Flávio Bolsonaro é investigado [13]. Apesar de ter sido eleito sob a bandeira da anticorrupção, ao longo de 2019, Bolsonaro ameaçou intervir na Receita Federal, na Polícia Federal e no Coaf, órgãos de investigação nessa área [14]. Em outras oportunidades, o governo também baixa decretos semelhantes que interferem na organização dos Conselhos Nacionais do Meio Ambiente (Conama) [veja aqui], de Políticas sobre Drogas (Conad) [veja aqui] e dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) [veja aqui]. Em janeiro do ano seguinte, o Congresso Federal aprova a MP [15], convertendo-a em lei [16].
Leia mais sobre as consequências da interferência política no Coaf e as críticas da Transparência Internacional à MP editada por Bolsonaro.
Presidente Jair Bolsonaro nomeia candidato com menor número de votos em consulta universitária e segundo colocado em lista tríplice para o cargo de reitor da Universidade Federal do Ceará (UFC) [1]. O professor José de Albuquerque, nomeado reitor pelo presidente, teve apenas 4,6% dos votos [2], enquanto o primeiro colocado da lista tríplice recebeu 64,8% do total [3]. O processo de escolha dos reitores universitários precede de eleição universitária e formação de lista tríplice, pelo Conselho Universitário, que é encaminhada para nomeação pelo presidente da República. Desde o governo Lula existe tradição do presidente nomear o primeiro colocado da lista, em respeito à consulta acadêmica e autonomia universitária [4]. Durante sua campanha, Albuquerque criticou o atual processo de escolha ao dizer que ‘debate ideológico não é bom’ e que a eleição direta pela comunidade acadêmica trata de uma ‘batalha ideológica e gera disputa política’, prometendo rever o processo caso eleito [5]. Após a nomeação feita por Bolsonaro, entidades acadêmicas e sindicais criticam a postura do presidente e não reconhecem o novo reitor [6]. Estudantes da UFC realizam protestos contra a nomeação [7]. Essa não foi a primeira vez que Bolsonaro não nomeou para reitor universitário o primeiro colocado da lista tríplice eleito pela comunidade acadêmica. Em outras oportunidades, nomeou o segundo colocado para a UFVJM [veja aqui], e os terceiros colocados para a UFTM [veja aqui] e UFRB [veja aqui]. Levantamento aponta que 43% das nomeações feitas por Bolsonaro não apontaram o primeiro colocado da lista tríplice [8]. Em dezembro deste ano, o presidente editou Medida Provisória (MP) prevendo expressamente a possibilidade de não nomeação no mais votado da lista tríplice [veja aqui], e em 2020 outra MP previu a possibilidade do Ministro da Educação nomear reitores temporários durante o período de emergência sanitária [veja aqui].
Leia carta de repúdio de reitores eleitos, porém não nomeados, e análises sobre as intervenções de Bolsonaro nas universidades federais, e sobre outros ataques à liberdade acadêmica realizados pelo governo federal.
O presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Roberto Leonel, é exonerado do cargo [1]. A medida se dá no dia seguinte à edição de Medida Provisória (MP), pelo presidente Jair Bolsonaro, que promoveu alterações na organização e no nome do Coaf, além de vinculá-lo ao Banco Central [veja aqui]. No início de agosto, foram veiculadas informações de que o Planalto pressionava o ministro da Economia, Paulo Guedes, para demitir o presidente do Coaf em razão da insatisfação de Bolsonaro com as críticas feitas por ele à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) [2] que suspendeu investigações baseadas em dados compartilhados pelo Coaf, incluindo a do senador Flávio Bolsonaro (PSL), filho do presidente – segundo informações prestadas por aliados do governo [3]. As críticas feitas por Leonel à decisão do STF se deram em entrevista no final de julho, em que ele declara estar preocupado com o impacto da decisão, na medida em que a prevenção e o combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo poderiam ficar prejudicados [4]. Depois da declaração, Bolsonaro havia afirmado que deu ‘carta branca’ a Paulo Guedes para trocar o comando do Coaf [5]. Outras exonerações ocorrem por discordâncias com Bolsonaro, como o presidente dos Correios [veja aqui], a presidente do Inep [veja aqui], o presidente da estatal de comunicações [veja aqui], o chefe da área de inteligência fiscal da Receita Federal , o chefe do parque de Fernando de Noronha [veja aqui], o presidente da Funai [veja aqui] e o Diretor do Inpe [veja aqui].
Leia a análise sobre as demissões no governo em razão de discordâncias com Bolsonaro.
O governo federal suspende edital de seleção de projetos audiovisuais [1], após o presidente Jair Bolsonaro afirmar que não permitiria que a Agência Nacional do Cinema (Ancine) liberasse verbas para certas produções com temáticas LGBT [veja aqui]. O presidente afirmou que seria um ‘dinheiro jogado fora’ e que ‘não tem cabimento fazer um filme com esse tema’ [2]. A Associação de Produtores Independentes do Audiovisual (API) repudia as declarações do presidente, pois ‘não cabe a ninguém, especialmente ao presidente de uma república democrática, censurar artes, projetos visuais e filmes’ [3]. A suspensão ocorre por meio de portaria [4], que prorroga o edital por 180 dias, para recompor os membros do Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual (CGFSA) [5]. A medida determina que haverá revisão dos critérios e diretrizes para a aplicação dos recursos do Fundo e dos critérios de apresentação de propostas de projeto e seus parâmetros de julgamento [6]. Frente ao episódio, o secretário especial de Cultura do Ministério da Cidadania, Henrique Pires, pede demissão, afirmando que não concordaria com filtros culturais e que se trata de um caso de censura [veja aqui]. Em outubro, o Ministério Público Federal move ação contra o ministro da Cidadania, requerendo a anulação da portaria [7], a qual é acatada pela Justiça Federal em decisão liminar; o processo aguarda sentença final [8]. Em outras oportunidades, a Caixa Cultural cancelou eventos com temática LGBT e democracia [veja aqui] e o Centro Cultural Banco do Nordeste retirou obra sobre casamento gay de exposição [veja aqui].
Leia a análise sobre patrulha ideológica na arte e sobre a censura nas ações do governo na área cultural.
O Instituto Federal do Ceará (IFCE) cancela as atividades da ‘I Semana de Direitos Humanos’ que ocorreriam entre os dias 20 a 23 de agosto com a participação de Guilherme Boulos (candidato a presidente pelo PSOL em 2018), após críticas do deputado estadual André Fernandes (PSL) [1]. Nas redes sociais, o deputado governista solicita ao ministro da Educação apoio para impedir a sua realização em 19/08 [2]. Em nota sobre o cancelamento, a reitoria reconhece a importância do debate sobre direitos humanos, mas quer ‘evitar (…) viés político-partidário’ [3], seguindo as recomendações da Procuradoria Federal junto ao IFCE sobre a suspensão do evento como necessária para preservar o bem público de ‘favorecimento político-partidário’ [4]. A decisão é comunicada aos organizadores no mesmo dia do início do evento, gerando indignação, já que o evento vinha sendo organizado há três meses [5]. O cancelamento é classificado como ‘censura’ por estudantes e movimentos sociais [6] e é denunciado à Comissão Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil [7]. O episódio se assemelha ao ocorrido no início do mês (09/08), quando o Instituto Federal do Paraná cancela o evento ‘Educação e Democracia’, também com a presença de Boulos [8], que decide dar aulas do lado de fora dos institutos, como forma de protesto [9]. Além de outro evento cancelado no mês seguinte [veja aqui], medidas de interferência do governo nas universidades continuam ocorrendo, como a interferência na escolha de reitores no geral [veja aqui] e durante a pandemia [veja aqui].
Leia as análises sobre as ações do governo contrárias às universidades e o relatório que destaca o Brasil como palco de perseguição a acadêmicos e universidades.
O Secretário da Cultura, Henrique Pires, pede demissão [1] após o governo suspender edital que havia selecionado séries com temática LGBT para serem exibidas nas TVs públicas [2]. Ao comunicar a saída do cargo, Pires afirma que discorda dos ‘filtros’ em qualquer tipo de atividade cultural e que não será conivente com a censura [3], declarando que a medida representa uma afronta à Constituição [4]. A suspensão do edital ocorre depois do presidente Jair Bolsonaro ter afirmado que não liberaria verba para financiar produções com temáticas LGBT [veja aqui] [5]. Em resposta, o ministro da Cidadania, Osmar Terra, nega as acusações de censura, afirmando que o governo tem o direito de opinar sobre ‘temas importantes’ nos editais que envolvam recursos públicos e que os temas do edital em questão haviam sido propostos pelo governo anterior [6]. Em outubro, após pedido do Ministério Público Federal, decisão judicial exige retomada de edital por considerar a suspensão um evidente prejuízo à cultura nacional e à liberdade de expressão [7]. O episódio ocorre em um contexto de medidas que visam interferir nas produções culturais, como falas do presidente defendendo a aplicação de filtros às produções culturais financiadas pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) [veja aqui] e pedidos do Itamaraty para retirada de filme de festival internacional [veja aqui]. No ano seguinte, a agência de comunicação do governo federal critica a cineasta Petra Costa e seu documentário indicado ao Oscar [veja aqui] e afirma que chargistas teriam cometido crime por compartilharem cartum com crítica ao presidente [veja aqui].
Leia a análise sobre os efeitos das ações do governo para o cinema nacional e ouça o podcast sobre a censura na área cultural.
O Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF) do Rio de Janeiro exclui três filmes do diretor Getúlio Ribeiro da Mostra do Filme Marginal [1], por causa de seu conteúdo político [2]. Dois deles, ‘Mente Aberta’ e ‘Rebento’, contêm críticas ao presidente Jair Bolsonaro, e o ‘Nosso Sagrado’ documenta o racismo religioso contra religiões de matriz africana [3]. Este último é considerado de ‘caráter político’ porque nos créditos apareciam os logotipos de mandatos de políticos que auxiliaram na produção, como Marielle Franco [4]. Em nota, os organizadores do evento afirmam que se trata de um caso de censura dos filmes e decidem cancelar o evento [5], transferindo-o para o Centro Municipal de Arte Hélio Oitica [6]. Em resposta, o CCJF afirma que um dos critérios estabelecidos para a realização de eventos no espaço é o ‘não promover produções de cunho corporativo, religioso ou político-partidário’ e justifica que essa restrição temática se deve ao dever de imparcialidade do Poder Judiciário [7]. Vale relembrar que a diretoria do Memorial dos Povos Indígenas afirmou que a banda Teto Preto não poderia fazer discursos políticos em sua apresentação e o Museu dos Correios cancelou exposição, pois algumas obras ‘não estarem de acordo com as normas institucionais‘ [veja aqui].
Ouça sobre a censura nas produções culturais.
O diretor da Secretaria Especial de Cultura da pasta da Cidadania, Roberto Alvim, veta a ocupação de um espaço da Funarte pela peça teatral ‘Res Pública 2023’ [1], do Grupo Motoserra Perfumada, que retrata um Brasil distópico e fascista no qual um grupo minorizado sofre ataques [2]. De acordo com o diretor, a peça não foi aprovada porque ‘não havia nela alusão estética, apenas um discurso político’ e defendeu que não seria um caso de censura, mas de curadoria [3]. Nesta data, a coordenadora da Funarte em São Paulo, Maria Ester Moreira, é exonerada por discordar do veto [4]. Para Moreira, o veto decorre do teor político da apresentação e se trata de uma ilegalidade, pois a Funarte não estabelece critérios de qualidade estética ou artística para a seleção de trabalhos [5]. Inconformadas com o episódio, 19 entidades assinam carta repudiando o ocorrido e sustentando que o veto seria um ‘filtro’ de censura em razão do caráter político da peça e o Ministério Público Federal envia ofício à Funarte [6] para que explique os ‘critérios de qualidade artística’ adotados [7]. Apesar do veto, o grupo se apresenta no Centro Cultural da Juventude em São Paulo e o diretor da peça declara que os ataques do governo federal são, em parte, expressões do conservadorismo e, por outro lado, tem caráter estratégico, no intuito de ‘criar falsos incêndios’ para manter a ‘onda conservadora’ viva [8]. Em outras oportunidades, a Caixa Cultural cancela peça infantil com temática de repressão e ditadura [veja aqui] e o governador do Rio de Janeiro censura peça teatral com cenas de nudez [veja aqui]. Alvim é indicado à secretaria de Cultura em novembro de 2019 [9] e logo que assume a pasta declara na UNESCO que arte brasileira teria favorecido projeto da esquerda [veja aqui] e lança, em janeiro de 2020, vídeo sobre prêmio de artes com referências nazistas, o que leva a sua demissão [veja aqui].
Leia na íntegra a carta das entidades contra o veto da Funarte, uma resenha da peça ‘Res Publica 2023‘ e a análise sobre as ações de censura do governo na área cultural.
Damares Alves, Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, exonera Caroline Dias dos Reis, coordenadora geral do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), órgão responsável por monitorar e fiscalizar políticas públicas de direitos humanos [1], após o Conselho afirmar que a reforma da Previdência incide em ‘graves retrocessos sociais’ [2]. Um dia antes, pelas redes sociais, Damares afirma que o órgão tem manifestações ideológicas e não se preocupa com os direitos humanos [3]. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão pede esclarecimentos sobre a exoneração [4]. Em nota, o Ministério justifica que a renovação é importante para a eficiência administrativa e que o CNDH mantém sua autonomia [5]. O presidente do CNDH diz que a exoneração consiste em retaliação à atuação do órgão, que criticou propostas do governo também em outras oportunidades [6]. Em nota do dia 11/09 [7], o CNDH afirmou que desde o dia 26/08 está impedido de publicar no sítio eletrônico do Ministério dos Direitos Humanos [8]. Organizações da sociedade civil repudiam a medida e afirmam que fere a autonomia administrativa do CNDH, nos termos dos princípios relativos às instituições nacionais de direitos humanos [9] definidos pela ONU [10]. Em dezembro, a representante do Ministério Público Federal junto ao CNDH também é afastada, em novo episódio de interferência [veja aqui].
Leia a nota de repúdio escrita por organizações da sociedade civil sobre as interferências realizadas no CNDH.
Presidente Jair Bolsonaro nomeia, através de decreto [1], último colocado em lista tríplice elaborada pelo Conselho Universitário (Consuni) para o cargo de reitor da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) [2]. O ato nomeia Marcelo Recktenvald como novo reitor, que obteve apenas 4 dos 49 votos do Consuni – enquanto o primeiro e segundo colocados obtiveram, respectivamente, 26 e 19 votos [3]. Na consulta à comunidade acadêmica, Recktenvald também ficou em último lugar, sequer participando do segundo turno das eleições [4]. A nomeação representa quebra de tradição existente desde 2003 , na qual o presidente da República sempre nomeava o primeiro colocado da lista tríplice, em atendimento às eleições acadêmicas e posicionamento do conselho universitário [5] [veja aqui]. O ato é repudiado por órgãos da própria universidade [6] [7], por entidades sindicais [8], e manifestações estudantis [9], que apontam ofensa à autonomia universitária. Em maio de 2020, Recktenvald defende intervenção militar no Supremo Tribunal Federal (STF) através de postagem nas redes sociais: ‘Um cabo e um soldado resolveriam essa questão. Tenho a impressão de que nossas instituições estão perdidas’ [10]. A mensagem é postada um dia após a Polícia Federal executar mandados de busca e apreensão contra apoiadores do governo Bolsonaro e parlamentares aliados, no âmbito do inquérito das fake news [11] [veja aqui]. Em outras oportunidades, Bolsonaro nomeou segundos e terceiros colocados para as reitorias das universidades federais do Ceará [veja aqui], do Triângulo Mineiro [veja aqui], dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri [veja aqui], e do Rio Grande do Sul [veja aqui]. No fim de 2019, o presidente editou Medida Provisória (MP) que alterou o processo de escolha dos reitores [veja aqui], e em 2020 outra MP possibilitou o Ministro da Educação nomear reitores temporários durante a pandemia [veja aqui].
Leia carta de repúdio de reitores eleitos, porém não nomeados, análises sobre as intervenções de Bolsonaro nas universidades federais e sobre outros ataques praticados pelo governo federal, e veja estudo sobre as atuais condições da liberdade acadêmica no Brasil – em inglês.