O Dia do Fogo, conhecido como a data na qual um grupo [1] de pessoas ligadas ao setor agropecuário do município de Novo Progresso no Pará ateou fogo em áreas da floresta Amazônica no intuito de demonstrar apoio ao Presidente Jair Bolsonaro [2] e dificultar a fiscalização das ilegalidades [3], gera poucas multas ambientais [4]. Nesse dia, foram identificadas 207 propriedades com focos de incêndio em área florestal, sendo metade delas registradas, ou seja, passíveis de identificação de seu proprietário [5]. Porém, apenas 5,7% dessas terras são autuadas [6]. Também identificou-se que 53 focos de calor ocorreram em terras indígenas e 534 em Unidades de Conservação [7]. Adécio Piran, jornalista que denunciou o plano do grupo vive sob ameaças e precisou recuar nas investigações [8]. Em agosto, a Amazônia registrou o maior número de focos de queimadas dos últimos nove anos [9]. O Dia do Fogo completou um ano em agosto de 2020 e segue sem apresentação de ações formais de responsabilização pela Polícia Civil [10]. Os acontecimentos inserem-se no contexto de desmonte da política ambiental promovido pelo governo Bolsonaro, como exonerar funcionários de órgãos de fiscalização [veja aqui] e pesquisa [veja aqui], duvidar [veja aqui] e contrariar [veja aqui] dados apresentados pelo Inpe e reduzir o número de multas contra a flora [veja aqui]. O Presidente afirma, ainda, que há uma ‘psicose ambientalista’ contra o Brasil [veja aqui], que o desmatamento é cultural [veja aqui], e acusa ONGs [veja aqui] e indígenas [veja aqui] de promoverem incêndios na Amazônia.
Leia as análises sobre o legado de impunidade do Dia do Fogo, a alta nas queimadas na Amazônia em 2019, a política ambiental do governo Bolsonaro e razões que apontam a possibilidade do desmatamento na Amazônia ser ideológico.
O governo federal, por meio de decreto [1], institui o Cadastro Base do Cidadão, novo sistema que pretende reunir informações cadastrais dos cidadãos e vinculá-las unicamente ao Cadastro de Pessoa Física (CPF), para que possam ser compartilhadas entre diferentes esferas do governo. O objetivo é criar um meio unificado para a prestação de serviços públicos, aperfeiçoamento na implementação e monitoramento de políticas públicas, entre outros [2]. O sistema prevê não apenas o compartilhamento de dados básicos como nome civil ou social, data de nascimento e vínculos de emprego, mas também de dados biométricos para reconhecimento: impressões digitais, características da face, dos olhos e da voz, bem como o modo de andar [3]. Especialistas veem a edição do decreto com preocupação pela ausência de transparência nas finalidades do compartilhamento dos dados pessoais [4]. Além de representarem mecanismo que abre margem para abusos [5] e que retira do cidadão o poder sobre as suas informações pessoais [6], as medidas vão na contramão da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) [7]. Vale notar que, em 2020, o governo baixa outro decreto [veja aqui] e edita as Medidas Provisórias (MPs) 959 [veja aqui] e 954 [veja aqui] que afetam a proteção de dados pessoais dos brasileiros.
Ouça o podcast que discute a eficiência da nova base de dados pessoais dos brasileiros e leia as análises sobre o que muda com o novo decreto e os riscos do Cadastro Base do Cidadão.
O estado do Goiás é a única unidade da federação que não divulga os números de mortes por policiais no primeiro semestre de 2019 e a Secretaria de Segurança Pública justifica afirmando que os dados têm ‘caráter sigiloso’ [1]. Para especialistas, a decisão demonstra falta de transparência do atual governo, pois as informações são de interesse público e eram divulgadas nos anos anteriores [2]. No mês anterior, o governo publicou nas redes sociais um vídeo sobre as ações policiais [veja aqui], no qual o narrador afirmava que ‘quando o governo deixa a polícia trabalhar, bandido tem que aprender a voar. Só que agora já está tarde para bater asa’ [3] e que ‘ou o bandido muda de profissão ou muda de estado’ [4]. O jornal O Popular obteve acesso de forma não oficial aos números resguardados pelo governo e constata que, em 2019, foram registradas 825 mortes no estado, um aumento de 95% em relação ao ano passado; o estado passa a ocupar o segundo lugar com mais mortes pela polícia proporcionalmente à população [5]. A postura do governo de Goiás se alinha aos discursos de legitimação da violência policial dos governadores de São Paulo [veja aqui] e do Rio de Janeiro [veja aqui] e do Presidente Jair Bolsonaro [veja aqui] e se enquadra no contexto de valorização de medidas punitivistas no âmbito da segurança pública [veja aqui].
Ouça as análises sobre a violência policial em Goiás e sobre segurança pública e leia a análise sobre a violência policial no Brasil.
Atendendo aos interesses do setor ruralista na aceleração da emissão de títulos de propriedade para regularização fundiária, o presidente Jair Bolsonaro exonera general da presidência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) [veja aqui] e nomeia para o cargo Geraldo de Melo Filho, pecuarista e ex assessor do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni [1]. O indicado é sócio de uma empresa proprietária de duas fazendas de criação de bovinos em Minas Gerais e na Bahia e integra associação de pecuaristas criadores de raças específicas de gado, tendo ocupado o cargo de diretor-técnico dessa instituição em 2014 [2]. Dois dias antes da nomeação, entidade representativa dos servidores do Incra publica nota denunciando a disputa entre ruralistas e militares pelo instituto [3]. Em outras oportunidades, Bolsonaro nomeia indicados atécnicos da base aliada para superintendências do Incra [veja aqui], inclusive para proteger-se de eventual processo de impeachment [veja aqui]. Os acontecimentos demonstram um cenário de favorecimento do agronegócio em detrimento das políticas de reforma agrária: o governo também exonera o presidente da Funai por pressão da bancada ruralista [veja aqui], edita Medida Provisória que facilita a legalização de terras ocupadas ilegalmente [veja aqui], amplia a permissão de armazenamento de armas em área rural [veja aqui], suspende reiteradamente a reforma agrária [veja aqui] [veja aqui] e reduz o número de famílias assentadas [veja aqui].
Leia a análise sobre o avanço dos ruralistas no comando do Incra.
Governo federal publica medida provisória (MP) [1] que altera normas de conversão de multas ambientais [2]. A conversão de multas é a substituição de multa simples por serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente [3]. A MP prevê a contratação de banco público, sem licitação, para gerir fundo com os recursos da conversão de multas ambientais [4]. De acordo com o texto, o infrator pode pagar o valor da autuação com até 60% de desconto desde que deposite os 40% restantes neste fundo [5] [6]. Pelas regras anteriores, os descontos eram vinculados a projetos de recuperação selecionados através de chamamento público, pelo Ibama ou Instituto Chico Mendes (ICMBio) [7]. No início do ano, o governo freou a contratação de 34 projetos de recuperação ambiental que estavam prontos para serem iniciados pelo Ibama [8]. A ordem partiu do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que não quer mais a participação de organizações não governamentais nos projetos federais [9].De acordo com a MP, os recursos do fundo são destinados ao custeio de serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente, porém, todas as regras passam a ser estabelecidas por Salles [10]. Medidas com o intuito de flexibilizar o cumprimento das multas por infrações ambientais aconteceram em outros momentos, como no caso do decreto que cria os Núcleos de Conciliação Ambiental (Nucam) [veja aqui]. Nos seis primeiros meses de governo Bolsonaro, as multas por crimes ambientais caem 23% em relação à média dos últimos 5 anos [11]. Conhecida como ‘Fundão do Salles’, a medida provisória cai no esquecimento do Congresso e perde a validade, no dia 26/03/20, portanto voltam a valer as antigas regras sobre conversão de multas ambientais [12].
Leia nota técnica sobre a medida provisória, conhecida como ‘Fundão do Salles’.
O busto do ex-chanceler San Tiago Dantas é retirado da entrada da sala que leva seu nome, no subsolo do Ministério das Relações Exteriores [1]. San Tiago Dantas é um dos patronos da Política Externa Independente (PEI), que visa a defender interesses nacionais sem o alinhamento automático a uma agenda específica, divergindo da bipolaridade ideológica vinda da Guerra Fria, na qual o Brasil compunha-se com os Estados Unidos [2]. Professor de Relações Internacionais em Harvard aponta que a postura do ministério busca ‘expurgar o pensamento crítico, o dissenso, o pluralismo e a valorização da memória do Itamaraty’ [3]. Nas redes sociais, Ernesto Araújo nega que tenha mandado retirar o busto, mas afirma que ‘podia ter mandado’ e tece inúmeras críticas à PEI, que entende ser um ‘fetiche do establishment brasileiro de política externa’ e buscava ‘bajular o bloco comunista’ [4]. Ao final de sua publicação, Araújo escreve: ‘o busto de Santiago Dantas pode até voltar, mas a política externa hipnotizada pela ideologia e facilitadora de totalitarismos não voltará’ [5]. Em dezembro, a estátua é colocada de volta no seu lugar [6]. Em outras oportunidades, o Itamaraty veta livro com prefácio de desafeto de Ernesto Araújo [veja aqui] e pede a retirada de filme sobre Chico Buarque de festival internacional [veja aqui].
Leia a análise sobre patrulha ideológica na arte.
Ao se manifestar em processo no Supremo Tribunal Federal (STF) [1] sobre a mudança de posicionamento do Itamaraty em relação a gênero [veja aqui], o ministro das Relações Exteriores (MRE), Ernesto Araújo, afirma que o governo tem ‘atualizado seu posicionamento’ para ‘melhor refletir’ as diretrizes do governo Bolsonaro [2] e que estaria alinhado historicamente à pauta dos direitos humanos. Nesse sentido, caberia respeitar as diretrizes defendidas pelo presidente, democraticamente eleito como representante do povo. Além disso, defende que o Judiciário não teria competência para decidir sobre política externa do Brasil, que é de responsabilidade do presidente de acordo com a Constituição [3]. No mesmo mês, o relator da ação pede posteriores esclarecimentos ao MRE, que envia documentos sigilosos para informar o processo. Em dezembro, ele nega seguimento à ação [4], apesar de reconhecer a importância da orientação sexual e identidade de gênero como direitos fundamentais — do que se recorre mas há nova negativa no ano seguinte [5]. Vale ressaltar que a postura ‘antigênero’ do Ministro das Relações Exteriores segue a mesma linha de outras ações do Ministério [veja aqui] e também do posicionamento de outras figuras do governo, como a Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos [veja aqui].
Leia análises sobre o posicionamento ideológico do Itamaraty no passado, o posicionamento da associação que ajuizou a ação no STF sobre a mudança no Itamaraty, a guinada ideológica no ministério e a possibilidade de intervenção judiciária na política externa brasileira
O Plano Nacional de Contingência para lidar com o vazamento de petróleo no Nordeste brasileiro, foi formalizado pelo governo somente 41 dias após a aparição das primeiras manchas de óleo [1]. O Plano de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional (PNC) é um documento que estabelece diretrizes para o governo lidar com situações de emergência como essa [2]. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que após alguns dias culpa ONG pela situação relacionada a situação e tem sua conduta criticada [veja aqui], formalizou o plano que delega à Marinha brasileira a coordenação de operações das ações ao combate às manchas de petróleo, o que se tratou de uma mera formalidade, considerando que a Marinha já estava atuando [3], o que, para especialistas da área, é evidência que o governo sequer sabia da existência do plano [4]. O ministério do Meio Ambiente afirma que desde o início dos acontecimentos todos órgãos já atuavam no combate às manchas, independente da formalização do PNC [5]. Vale ressaltar que decreto baixado por Bolsonaro em abril [veja aqui], extinguiu o comitê responsável por acionar o plano, fato que prejudica o país nessa situação, de acordo com a Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema) [6]. O Ministério Público Federal ajuíza ação contra União alegando a omissão do Estado, que não teria tomado as medidas necessárias para combater o desastre ambiental [7]. Após decisão improcedente da justiça de Sergipe [8], o Tribunal Federal reverte parcialmente a decisão, em favor do MPF [9] e determina que representantes dos estados afetados participem do colegiado do Comitê de Suporte do PNC [10]. Em agosto do ano seguinte, a Marinha conclui investigação sobre o ocorrido e não aponta culpados [11].
Leia a análise sobre o Plano de Contingência e entenda quando ele deve ser acionado.
Ministério da Cidadania nomeia, através de Portaria [1], jornalista e escritora sem perfil técnico-acadêmico para a presidência da Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB). Desde o nascimento da FCRB, em 1930, existe tradição do governo consultar funcionários e pesquisadores da instituição para nomeação do presidente. Na oportunidade, o governo Bolsonaro nomeia Letícia Dorneles para o cargo chefe, jornalista e escritora de programas televisivos sem histórico acadêmico, não considerando a indicação dos membros da FCRB [2]. A jornalista já expressou apoio ao governo Bolsonaro, tendo texto próprio reproduzido por Carlos Bolsonaro nas redes sociais [3]. Entidades acadêmicas [4] se manifestam contra a nomeação, externando preocupação com os rumos da Fundação e o patrimônio histórico-cultural gerido pela instituição [5]. Após a nomeação, a nova presidente se envolve em episódios polêmicos como a exoneração de diretor e chefes de centros de pesquisa da Fundação [veja aqui], a reversão de indicação, junto ao Secretário da Cultura, de cientista crítico ao governo Bolsonaro para cargo de chefia na FCRB [veja aqui], e estudo em sigilo visando extinguir a instituição [veja aqui].
Leia análise crítica à nomeação da nova presidente da FCRB e outros ataques à cultura praticados pelo governo Bolsonaro.
O ministro da Justiça, Sergio Moro, edita as Portarias 790 [1] e 793 [2] para disciplinar o repasse de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) para os Estados e estabelecer quais projetos e ações poderão ser financiados na área de segurança pública [3]. As Portarias tratam da valorização do profissional de segurança pública e do enfrentamento à criminalidade violenta [4], este último com previsão de utilização do fundo para a implantação de sistemas de reconhecimento facial, uso de inteligência artificial, e outros mecanismos de vigilância [5]. Apesar de regularem o incremento de recursos para, por exemplo, a capacitação de profissionais na área [6], também podem ser prejudiciais à privacidade dos cidadãos e seus dados pessoais. Quatro dias depois, o governo de São Paulo assina contratos visando implementar sistemas de vigilância eletrônica, mas especialistas alertam para os efeitos desse monitoramento em outros países, ao reforçar estereótipos e promover exclusões [7]. De acordo com a polícia do Detroit (EUA), o reconhecimento facial não é confiável [8] e, na contramão da implementação pelo Brasil – como a utilização do monitoramento facial no carnaval de São Paulo, em 2020 [9], cidades norte-americanas proíbem o uso dessa tecnologia pela polícia [10]. Vale notar que, no ano de 2019, a utilização do FNSP bate recorde histórico para ações nas áreas de segurança pública e de prevenção à violência [11], indicando uma gestão pautada pelo incremento do vigilantismo.
Leia as análises sobre a tecnologia de reconhecimento facial, um estudo sobre problemas decorrentes de seu uso na área de segurança pública, bem como a banalização dessa tecnologia controversa e ouça o podcast sobre as tecnopolíticas da vigilância.