Relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) [1], divulgado pela imprensa nesta data, aponta mudança na lógica de distribuição de verbas publicitárias pela Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) a emissoras de TV em favorecimento a aliadas ao governo federal, indicando a necessidade de investigação de uma possível alocação política de recursos [2]. Houve redução de cerca de R$ 20 milhões do montante total das verbas, em comparação ao piso distribuído nos últimos 12 anos, e alteração dos critérios de distribuição. A rede Globo, campeã de audiências, sempre detinha maior porcentagem das verbas, com patamares flutuando ente 37% e 57%, e passou a deter 18% [3]. Já a rede Record e a SBT, antes detentoras de porcentagens que variavam entre 10% e 24%, passaram a ganhar cerca de 44% e 37% [4]. Tais alocações, contudo, não estão de acordo com os critérios estipulados pelo governo, que preveem audiência, ‘afinidade, perfil e segmentação de público e relação custo-benefício, entre outros’ [5]. Em nota, a Secom aponta que ‘não é uma realidade a presunção de que utilizar o veículo de maior audiência é a melhor forma de investimento de comunicação’ [6]. O presidente Jair Bolsonaro diz se tratar de ‘fake news’ [7]. O Tribunal considera necessário verificar se houve amparo da distribuição de recursos em critérios ‘objetivos e isonômicos’ [8] e, em agosto do ano seguinte, conclui pela sua ausência [9]. Segundo o TCU, não houve critérios técnicos para a alocação de verbas e nem ‘motivações que embasaram a tomada de decisões no processo para a distribuição dos recursos’ [10]. Em outras ocasiões, Bolsonaro já criticou a TV Globo e ameaçou não renovar a concessão da emissora após veiculação de matéria sobre a investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco que o mencionou [veja aqui]. Em 2020, ele recria o Ministério das Comunicações e nomeia Fabio Faria – genro de Silvio Santos, dono do SBT – como ministro [veja aqui]. Em janeiro do ano seguinte, o então chefe da Secom, Fabio Wajngarten, torna-se suspeito de receber dinheiro de emissoras contratadas pelo governo por meio de empresa em que é sócio, o que gera pedido de apuração pela Comissão de Ética Pública da Presidência [veja aqui], arquivado, no entanto, no mês seguinte [veja aqui]. Em março de 2021, Wajngarten é exonerado da chefia da Secom [11].
Leia as análises de gastos com publicidade nos governos passados e sobre a distribuição de verbas sob o governo Bolsonaro.
Apelidada de ‘Programa Verde e Amarelo’, a Medida Provisória (MP) nº 905 [1] cria incentivos para a contratação de jovens trabalhadores ao diminuir encargos para os empregadores [2]. Além disso, altera substancialmente o regime de multas a empresas por infrações à legislação trabalhista e liberaliza o trabalho em geral aos domingos [3]. Em reação, o Supremo Tribunal Federal (STF) recebe duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI), uma ajuizada pelo PDT (ADI 6265) [4] e outra pelo Solidariedade (ADI 6261) [5]. Os requerentes do PDT alegam que a matéria só poderia ser regulada por Lei Complementar, e que a MP não teria cumprido requisitos constitucionais de relevância e urgência, bem como o princípio da isonomia, o que também é alegado pelo Solidariedade. Em janeiro do ano seguinte, o Procurador Geral da República ajuíza nova ADI no STF (ADI 6306) contra a MP [6], alegando violação da independência do Ministério Público do Trabalho. Em março, a Comissão Mista do Congresso aprova parecer do relator da MP, que altera diversos pontos da proposta original [7]. Em abril, a Câmara aprova o texto-base da MP, com mudanças em relação à crise da covid-19 [8], mas, em seguida, após acordo com Senado [9], o presidente revoga a MP por meio da edição da MP 955 [10]. Ressalta-se que em março 2020 são editadas novas MPs para flexibilização de direitos trabalhistas [veja aqui] sob a justificativa de crise sanitária [veja aqui].
Leia as análises sobre a MP nº 905/2019 e seu impacto segundo juristas, acadêmicos e economistas.
Ibama flexibiliza multas para serrarias que compram madeira ilegal [1], em período de aumento no índice de desmatamento na Amazônia [2]. O documento assinado pelo presidente do Ibama, retira a possibilidade de aplicação de multas para empresas que compram madeiras acompanhadas de Documento de Origem Florestal (DOFs) fraudulentos e que estavam sujeitas a multas e outras punições até então [3]. Os DOFs [4] são licenças que permitem que a origem da madeira vendida seja rastreada, com a finalidade de evitar que a madeira extraída de forma ilegal seja comercializada [5]. Com a nova normativa, as multas só poderão ser aplicadas caso seja comprovado que os compradores de madeira possuíam conhecimento prévio de que os DOFs eram falsos [6]. De acordo com um fiscal do Ibama, diversas serrarias compram madeiras em terrenos ilegais utilizando o sistema de DOFs falsos, medida que com a nova normativa, fica difícil de combater [7]. A norma é publicada meses após operação da Polícia Federal em cinco estados que desmancha um esquema de documentação falsa envolvendo 22 madeireiras, em que foram encontrados 260 mil metros cúbicos de madeira advindas do desmatamento [8], no mesmo período em que o ministro do Meio Ambiente fez discurso de apoio aos madeireiros, após ataques sofridos pelos fiscais do Ibama [veja aqui].
A Secretaria de Cultura do governo de Goiás cancela show de lançamento do novo CD ‘Todos estão em nós’ do cantor Itamar Correia, que homenageia os goianos mortos e desaparecidos durante a ditadura militar de 1964 [1]. Em nota, a secretaria afirma que o artista procurou o órgão para realizar um evento de natureza ‘especificamente artística’, porém, com a divulgação verificou-se que o show ‘passou a um plano inferior e estava sendo divulgado com outro tipo de perfil’, infringindo o regulamento do Cine Teatro São Joaquim, que não permite eventos políticos [2]. Correia afirma que o episódio se configura como ‘censura política’, pois, de acordo com o regulamento, o teatro não admite ‘ação política partidária’ e sua performance não tem conteúdo partidário, mas ‘não pode deixar de ser política’ [3]. A apresentação é transferida para a Igreja do Rosário [4]. O Diretório Estadual e Municipal do Partido dos Trabalhadores (PT) de Goiás emite nota de repúdio ao ato arbitrário e de censura da secretaria [5]. A suspensão ou tentativa de censura de eventos em razão de conteúdo político também foram observadas nos casos da mostra de filmes no Centro Cultural da Justiça Federal [veja aqui], na exibição de peças teatrais no Centro Cultural Banco do Brasil [veja aqui], ambos no Rio de Janeiro, e na apresentação da peça ‘Res Pública 2023’, vetada pela Funarte [veja aqui].
Assista ao show do CD ‘Todos Estão em Nós‘ de Itamar Correia.
Frederico D’Avila (PSL), deputado estadual em São Paulo, propõe ato solene em homenagem ao ditador chileno Augusto Pinochet na Assembleia Legislativa do estado (ALESP) [1]. O embaixador do Chile no Brasil e entidades da sociedade civil criticam duramente a proposta [2]. O Instituto Vladimir Herzog e outras 27 organizações apresentam pedido de cancelamento do evento [3] e parlamentar da oposição protocola denúncia pedindo a cassação do mandato de D’Avila ao Conselho de Ética da Alesp por apologia à tortura [4]. O presidente da Assembleia assina, em seguida, ato impedindo a realização da homenagem [5]. Em setembro, o presidente da República Jair Bolsonaro, então do mesmo partido que D’Avila, já havia defendido o golpe militar chileno [veja aqui].
Leia as análises sobre gênero e a ditadura de Pinochet e história da ditadura chilena.
O presidente Jair Bolsonaro diz que enviará ao Congresso Nacional projeto de lei (PL 6125/2019) [1] que trata da excludente de ilicitude em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). O anúncio do projeto é feito durante lançamento do partido Aliança pelo Brasil [2]. Segundo o presidente, ‘ladrão de celular tem que ir para o pau’ [3]. O projeto prevê que militares e outros agentes de defesa sejam isentos de punição por excessos nessas operações. A proposta complementa o pacote anticrime [veja aqui], cuja previsão de excludente de ilicitude já tinha sido barrada no Congresso [4]. O Ministério Público Federal manifesta preocupação pelo uso abusivo e arbitrário da violência em decorrência da possível lei [5]. O partido Podemos apresenta Nota Técnica contra a ampliação de poderes desses agentes [6] e o Partido dos Trabalhadores entra com mandado de segurança [7] no Supremo Tribunal Federal com pedido de arquivamento do PL [8]. Há também manifestos de repúdio por entidades internacionais [9] e nacionais [10]. Vale notar que a medida objeto de PL é parte de conjunto de medidas na área de segurança que incluem também a autorização de operações de GLO para a reintegração de posse em áreas rurais [veja aqui], críticas do presidente a definição de legítima defesa no Código Penal [veja aqui] e a garantia de defesa aos proprietários de áreas urbanas e rurais contra invasores [veja aqui].
Leia as análises sobre o impacto do PL do governo e os dados da violência nas operações de garantia da lei e da ordem no Rio de Janeiro.
O governo de Jair Bolsonaro não apresenta, no prazo fornecido – encerrado nesta data -, os dados referentes à redução de famílias no Programa Bolsa Família, conforme pedido feito pela Câmara dos Deputados em 17/10 [1]. Os esclarecimentos são requisitados depois que foi veiculada, em outubro, declaração do ministro Osmar Terra afirmando que a fila do Bolsa Família chega a 700 mil famílias e que houve redução no número de inclusões de famílias por dificuldade orçamentária [2]. A postura é criticada por parlamentares [3] e organização não-governamental [4] por representar falta de transparência prejudicial ao direito de acessar informações públicas. Em 26/11, o Ministério da Cidadania responde à solicitação, mas sem atender aos questionamentos do documento, motivo pela qual em 05/12, a Câmara reitera o pedido de informações [5]. Em janeiro de 2020, o ministro pede prorrogação do prazo, mas libera dados sobre as filas ao jornal Globo por meio da Lei de Acesso à Informação, depois de determinação da Controladoria-Geral da União (CGU) [6]; em fevereiro, o parlamentar Ivan Valente (PSOL) protocola pedido de convocação de Osmar Terra para prestar explicações [7], mas o ministro é demitido por Bolsonaro, e Onyx Lorenzoni (MDB) assume o Ministério em 21/02 e cinco meses depois da solicitação, as informações continuam não sendo prestadas [8]. Advogados afirmam que a demora do Ministério em prestar os dados solicitados configura crime de responsabilidade [9]. Outras omissões de dados são verificadas. O Ministério da Saúde passa a omitir total de mortes por covid-19 no país [veja aqui] e obriga servidores a manterem sigilo sobre informações do gabinete [veja aqui].
Leia as análises sobre a redução dos beneficiários do Programa Bolsa Família e os problemas verificados nos dados divulgados pelo Ministério da Cidadania sobre o tamanho da fila de espera.
Após discurso do ex-presidente Lula ao Movimento dos Atingidos por Barragens [1], em que afirma que haveria um miliciano no governo, responsável pela morte de Marielle Franco, violência contra pobres, impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e mentiras contra ele, o Ministro da Justiça Sérgio Moro requer abertura de inquérito [2] para investigá-lo por calúnia. O caso ganha repercussão porque, após Lula ter sido ouvido pela Polícia Federal (PF) em 19/02/2020 [3], a instituição declarou descartada possibilidade de enquadramento das condutas na Lei de Segurança Nacional (LSN) [4]. Em 11/11/2019, porém, Bolsonaro afirmou que o discurso de Lula poderia ser enquadrado na LSN [veja aqui]. Com isso, espalha-se rumor de que Moro teria procurado enquadrar a conduta do ex-presidente na LSN [5], o que foi até ratificado pelo site do Ministério da Justiça e, depois, desmentido [6]. A defesa de Lula contesta o Ministério [7] e apresenta imagem do inquérito da PF em que se investiga o enquadramento da conduta do ex-presidente com base na LSN [8]. Em reação, juristas se manifestam contrariamente ao uso da LSN, considerada um dos resquícios da ditadura militar [9]. Em 21/05/2020 o inquérito é arquivado [10] sob justificativa de que as declarações de Lula não ameaçam a integridade nacional e o presidente [11]. Levantamento via pedido de Lei de Acesso à Informação [12] indica aumento do uso da LSN durante o governo Bolsonaro [13].
Leia a análise sobre o que é a Lei de Segurança Nacional e entrevista sobre sua aplicação hoje.
Funcionários da TV Brasil afirmam que o clipe da canção ‘O Real Resiste’ de Arnaldo Antunes é alvo de censura por tratar de temas considerados sensíveis ao governo federal [1]. O vídeo, que seria exibido no programa ‘Alto Falante’, mostra cenas de violência policial, disseminação de preconceitos e cita milícias, terraplanistas – negacionistas científicos – e torturadores [2]. A EBC, estatal que controla a TV Brasil, confirma a retirada do programa da grade, bem como de outras atrações, e declara que a mudança ocorreu em cima da hora em razão da final da Copa Libertadores, no entanto, o jogo iniciou-se três horas antes do previsto para a exibição [3]. Em nota, funcionários da EBC afirmam que no lugar do programa Alto Falante foi colocado o Hypershow [4], caracterizando um episódio de censura, e que estão proibidas menções à vereadora assassinada Marielle Franco e a temas LGBTQ+ [5]. Personalidades criticam o episódio nas redes sociais, mas Arnaldo Antunes não comenta o ocorrido [6]. Vale lembrar que em São José dos Campos, a divulgação de livro com críticas ao governo é suspensa por pressão política , em Porto Alegre, a Câmara dos Vereadores suspende exposição com charges críticas à gestão Bolsonaro e, em São Paulo, policiais interrompem a gravação do clipe da artista Linn da Quebrada [veja aqui]. Diversos episódios de restrição de conteúdo marcam a atuação da EBC em 2020 também: em junho, ela realoca repórter após pergunta crítica ao Ministério da Saúde sobre a condução da pandemia [veja aqui] e ajuíza ação contra funcionários por manifestações críticas em rede social [veja aqui] e no mês seguinte, ela oculta informações sobre a situação indígena na pandemia [veja aqui]. Em setembro, funcionários da empresa reúnem mais de 130 denúncias de censura e ‘governismo’ alegadamente praticados por ela [veja aqui].
Assista ao clipe de ‘O Real Resiste’.
Assista ao clipe de ‘O Real Resiste’
Sob o governo Jair Bolsonaro, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) não assenta nenhuma família nos 66 projetos de assentamento para reforma agrária que estão à disposição e que têm capacidade para 3.862 famílias [1]. Advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT), José Batista Afonso, afirma que essa ‘é a primeira vez que isso ocorre no Incra, num momento em que há milhares de famílias para serem inseridas no programa de reforma agrária’ [2]. Através da assessoria de imprensa, o Incra afirma que a situação ocorre ‘por restrições orçamentárias no exercício de 2019’ e que o programa voltará em 2020 [3]. Afonso atribui a paralisação às regras que vêm sendo implementadas desde o governo Temer e alerta para o fato de que, sem a regularização, as famílias não têm acesso a políticas de concessão de linhas de crédito, assistência técnica e demarcação de lotes [4]. A paralisação se insere num contexto de desmonte das políticas de reforma agrária promovido pelo governo Bolsonaro, com a suspensão reiterada desse procedimento [veja aqui] [veja aqui] e consequente redução no número de famílias assentadas [veja aqui], com indicações atécnicas para superintendência do Incra [veja aqui], discursos contrários à atuação do Movimento Sem Terra [veja aqui] e a desestruturação de programas sociais [veja aqui]. Paralelamente, ocorre o beneficiamento de ruralistas através de indicação para a presidência do Incra e aceleração da regularização fundiária [veja aqui].
Leia mais sobre o que é a reforma agrária e como a política fundiária, já datada de de alguns anos, promove a concentração de terras.