A Agência Nacional do Cinema (Ancine) retira todos os cartazes de filmes nacionais que eram expostos em sua sede, apaga os dados sobre as obras audiovisuais do site da instituição e desliga a televisão que exibia trailers de novas produções, segundo apuração desta data [1]. Em nota, a agência declara que a decisão tem o intuito de manter a ‘impessoalidade, isonomia e interesse público’, pois não haveria critério sobre quais filmes seriam divulgados ou não [2]. O diretor de comunicação da Ancine, Érico Cazarré, diz que o órgão decidiu priorizar sua área reguladora em detrimento da área de fomento, reafirma o caráter isonômico da medida e nega que os atos tenham o intuito de blindar vídeos com posições políticas divergentes do governo Bolsonaro [3]. Vera Zaverucha, ex-diretora da Ancine, afirma que as ações têm ‘cheiro de censura’ [4]. Como uma forma de protesto ao episódio, diversos artistas do meio audiovisual publicaram em suas redes sociais as capas de filmes nacionais [5]. Além disso, funcionários da Ancine produzem documento questionando a remoção dos cartazes e o cancelamento da exibição do filme ‘A Vida Invisível’ [veja aqui] [6]. Em outras oportunidades, o presidente Jair Bolsonaro ameaçou extinguir a Ancine se não puder filtrar as produções [veja aqui] e afirmou que não liberaria verbas para produções com temática LGBT [veja aqui].
Leia a análise sobre as políticas adotadas pelo governo na Ancine.
O Ministério do Meio Ambiente implementa no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) novo sistema de registro eletrônico de frequência (SISREF), administrado e disponibilizado pelo Ministério da Economia [1]. O SISREF vem sendo implementado em outros órgãos do governo [2]. De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), a implantação do SISREF prejudica as ações do Ibama, pois força os servidores a adequarem-se a um regime de frequência incompatível com suas funções [3]. O atendimento às ocorrências de ilícitos ambientais não necessariamente ocorre durante o horário regular de trabalho [4]. Com o novo regime, as horas que excedem o limite estipulado não são compensadas em pecúnia ou folga, reduzindo drasticamente o tempo de trabalho em campo [5]. A autarquia já possui um sistema de controle eletrônico de frequência que considerava as peculiaridades logísticas dos trabalhos de fiscalização em campo, o SISPONTO [6]. Até então, era possível o lançamento das horas extras trabalhadas pelos servidores e posterior compensação em folgas [7]. A situação converge com uma sequência de ataques que Bolsonaro vem fazendo contra o órgão, alegando a existência de uma ‘indústria de multas’ [veja aqui]: nos primeiros meses de governo, houve uma queda de 70% nas operações de fiscalização efetuadas pelo Ibama na Amazônia e uma queda de 58% em todo o país, em comparação com o mesmo período do ano passado [veja aqui]. O Ministro Ricardo Salles também foi alvo de críticas ao apoiar ataques à servidores do Ibama em ações de fiscalização de extração de madeira ilegal em terras indígenas em Rondônia [veja aqui].
Leia análises sobre o Ibama e os conflitos em torno do órgão.
A Portaria 150 do Comando Logístico do Exército (COLOG) [1] muda regulação anterior [2] sobre atividades de colecionamento, tiro desportivo e caça. As normas ficaram mais brandas, adaptadas ao novo cenário armamentista [3] e regulamentam aspectos de Decretos anteriores, de junho [veja aqui] e de setembro [veja aqui]. Com ela, ficam reduzidas a burocracia para manutenção do registro de armamento e as restrições de expedição de guia de tráfego, documento essencial à circulação de armas em território nacional, bem como fica facilitado o reconhecimento de praticantes de tiro esportivo [4]. Além disso, ao contrário da regulação anterior, que especificava armamentos de uso restrito das Forças Armadas, a nova medida não trata do assunto [5]. Em novembro, já haviam sido editadas Portarias mais favoráveis à aquisição e ao porte de armas, as Portarias 136 [veja aqui] e 137 [veja aqui], que regulam aspectos da série de Decretos sobre o acesso a armas de fogo baixados em 2019 [veja aqui] e formam panorama confuso na área [6].
Leia a comparação entre controle de armas antes e depois do primeiro ano do governo Bolsonaro, o balanço da política de segurança pública do governo em 2019, e análises sobre implicações da nova política de armas para caça, aumento na aquisição de munição de atiradores e a relação entre armas de fogo e violência.
O Fundo Amazônia [1] termina 2019 com 2,2 bilhões de reais paralisados, enquanto o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, pede recursos internacionais para financiamento da preservação do meio ambiente [2] e pensa em criar novo fundo [3]. As atividades foram paralisadas após o governo destituir o comitê que fazia a seleção dos projetos para o fundo [4], decisão que leva os dois maiores países financiadores do fundo, Alemanha e Noruega, a bloquearem o repasse de doações [5]. O fundo não aprova projetos em 2019 [6], enquanto 4 propostas já haviam sido outorgadas em 2018 até o mês de agosto [7]. A paralisação das atividades prejudica apresentação de projeto por associações representativas dos indígenas[8]. Por causa da paralisação das atividades, povos indígenas passam a conviver com grande aumento no número de garimpeiros, invasores e madeireiros ilegais [9]. Devido ao aumento histórico do desmatamento na Amazônia [veja aqui], no ano seguinte, partidos políticos ajuízam ação direta de inconstitucionalidade por omissão devido a paralisação do Fundo Amazônia [10]. Em seguida, o Supremo Tribunal Federal questiona a omissão do governo Bolsonaro referente a proteção ambiental [11]. Além do mais, 50 organizações da sociedade civil, escrevem carta para o Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDS) requeredo a que os recursos do Fundo Amazônia sejam liberados visando a mitigação das consequências causadas pela covid-19 e o desmatamento [12]. Vale lembrar que outras medidas do governo que favoreceram o desmatamento [veja aqui] e mitigaram a proteção dos indígenas .
Leia mais sobre os principais acontecimentos envolvendo o Fundo Amazônia em 2019, como foram afetadas as comunidades rurais que eram maiores beneficiadas dos recursos do Fundo e como afetou também as comunidades tradicionais.
O Ministro da Justiça, Sérgio Moro, baixa portaria que autoriza a atuação da Força Nacional de Segurança Pública (FNS) no estado do Maranhão com o objetivo de proteger membros dos povos indígenas Guajajara após assassinato de dois de seus membros [1], no entanto, a medida se restringe às terras indígenas de Cana Brava, local dos assassinatos, excluindo da proteção a terra indígena Arariboia que também registra intervenções violentas de madeireiros [2]. Desde novembro, com o assassinato do Guajajara e guardião da floresta Paulo Paulino [3] por madeireiros invasores, a região do Arariboia registra aumento de ameaças e sentimento de insegurança pela população isolada [4]. A atuação estatal no Arariboia se restringiu à retirada de outros três guardiões da floresta pelo governo do Maranhão e ao envio da Polícia Federal para investigar o assassinato de Paulino [5]. A necessidade de mobilização da FNS para a região é confirmada pelo especialista Carlos Travassos, para quem ‘a invasão pode realmente ter se intensificado após a morte de Paulo’ [6]. A despeito dos pedidos por maior segurança, Moro justifica a restrição da medida para Cana Brava em razão da solicitação da Fundação do Índio (Funai), a qual apenas mencionava essa região [7]. A Funai confirma e diz que poderá solicitar posteriormente a FNS para outras áreas [8]. Vale notar que o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) registra 06 assassinatos de índios Guajajara em 2019 [9]; e que os ataques de invasores ocorrem em contexto de enfraquecimento das políticas de demarcação de terras indígenas [veja aqui] e de discursos do presidente que deslegitimam o assassinato de indígenas [veja aqui] [veja aqui].
Leia análise sobre quem são os guardiões da floresta sob ameaça de madeireiros e entenda os impactos da falta de proteção estatal sobre os Guajajaras.
O Presidente Jair Bolsonaro edita Medida Provisória que altera a regularização fundiária das ocupações em terras públicas [1]. A medida aumenta a área das terras para as quais o suposto proprietário pode declarar sua posse sem a necessidade de vistoria prévia do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) [2]. A MP também aumenta – de 2008 para 2014 e até 2018 [3] – o prazo para que os ocupantes das terras da União peçam o título da área [4]. A MP também unifica as legislações sobre o tema, amplia a gratuidade no processo de regularização fundiária e permite que o agricultor utilize o imóvel como garantia de pagamento desse processo [5]. Ambientalistas criticam a medida, pois promove a anistia de ‘quem praticou crime de invasão de terra pública’, facilitando a grilagem [6]. Por meio de nota, o Ministério Público Federal afirma que a MP é inconstitucional, regulariza o desmatamento ilegal, equipara prerrogativas de grileiros de grandes propriedades públicas a assentados de baixa renda e acirra os conflitos no campo [7]. De acordo com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, 35% do desmatamento registrado entre agosto de 2018 e julho de 2019 ocorreu em áreas públicas não destinadas a função específica; para analistas, a regularização das grilagens incentiva o desmatamento ilegal de terras públicas [8]. A MP compõe a agenda do governo Bolsonaro de desmonte das políticas ambientais [veja aqui] e de reforma agrária [veja aqui] [veja aqui], favorecimento de ruralistas [veja aqui] [veja aqui] e aceleração dos processos de regularização fundiária [veja aqui]. Em 2020, a MP caduca e inicia-se a tramitação de Projeto de Lei semelhante .
Leia as análises sobre os efeitos da Medida Provisória no mercado, na grilagem de terras, seus impactos socioambientais e veja o vídeo sobre como a MP estimula a grilagem.
Katia Bogea, que ocupava a presidência do Iphan desde 2016, é exonerada do cargo e atribui esse fato à pressão do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos) e do empresário Luciano Hang, aliado do presidente Jair Bolsonaro [1]. Hang reclamou nas redes sociais sobre a paralisia de uma obra sua no Rio Grande do Sul [2], na qual a empresa contratada para executar os serviços reportou ao Iphan que havia um achado arqueológico no local [3]. Sobre esse caso, Bogea afirma que ‘nem a mais simples das obrigações eles querem fazer’ e que ‘o que queriam é que não observássemos a lei’ [4]. Bogea diz que antes de ser demitida, houve uma sucessão de trocas de cargos também em razão da queixa de Hang e substituição por pessoas sem formação adequada [5]. Em cerimônia de inauguração de rodovia em agosto desse ano, o presidente Jair Bolsonaro já havia criticado a atuação do Iphan, afirmando que o órgão é um empecilho para as obras no país e zomba de artefatos arqueológicos [veja aqui]. Em reunião ministerial de abril do ano seguinte [veja aqui], o presidente Bolsonaro afirma que o Iphan ‘para qualquer obra no Brasil, como para a do Luciano Hang’; as falas são objeto de investigação por parte do Ministério Público Federal, que irá apurar tentativas de interferência no órgão em favor do empresário [6]. Bogea afirma que também contribuiu para sua exoneração o fato de Flávio Bolsonaro ter ido a Salvador se reunir com construtores locais, que fizeram reclamações sobre a portaria baixada pelo Iphan limitando construções na Barra [7], mesma localidade que gerou disputas entre o ex-ministro Geddel Vieira Lima e a instituição . Larissa Dutra, amiga da família Bolsonaro, é indicada para substituir Bogea; a Justiça suspende sua nomeação em virtude da falta de requisitos técnicos mínimos para preencher a vaga [veja aqui], mas Dutra consegue assumir o cargo depois. Vale lembrar que, sob o governo Bolsonaro, o Iphan vive a maior paralisia institucional dos últimos 65 anos [veja aqui].
Leia as análises sobre o esvaziamento do Iphan sob Bolsonaro, sobre os desafios atuais na preservação do patrimônio nacional, sobre os obstáculos estruturais do órgão e sobre como o presidente coloca em risco os bens históricos do país.
Quatro servidores da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) comparecem à 25°Conferência das Partes da Convenção Quadro da ONU para Mudança do Clima (COP-25) em Madri, na Espanha. Esse é o primeiro registro da presença da Abin em tal conferência e, segundo dados obtidos da conferência entre 2013 a 2018, nenhuma delegação enviou qualquer agente de inteligência antes [1]. De acordo com um dos agentes brasileiros presentes na COP-25, o objetivo era ‘captar as críticas ao governo Bolsonaro’ para ‘defender os interesses do País’ [2]. Tal revelação, porém, só é feita em outubro de 2020, após investigação da imprensa [3]. O site da Abin, por outro lado, confirma sua presença na COP-25 ainda em dezembro de 2019, indicando ter participado de painéis em que diferentes governos e atores não estatais apresentaram ações de mudança [4]. Além disso, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), General Augusto Heleno, se posiciona nas redes sociais, dizendo haver servidores capazes de realizar a ação, a quem compete acompanhar eventos de interesse do país, como demais agências de inteligência do mundo [5] [6]. Especialistas no setor ambiental comentam a desnecessidade do acompanhamento da Abin, já que os debates eram públicos [7]; senadores e deputados mobilizam-se para ouvir explicações do GSI e do Ministério das Relações exteriores sobre o ocorrido [8]. A Anistia Internacional divulgou nota no dia 17 de outubro criticando o governo brasileiro e identificando a ação como “grave”, “especialmente por conta de o Brasil possuir um passado recente de perseguições políticas durante o período do regime militar, que durou 21 anos” [9]. Além disso, uma carta foi enviada à ONU com 172 assinaturas onde afirmam “uma quebra séria de confiança e um precedente terrível para outras partes agirem contra a sociedade civil” [10]. Carlos Alberto Vilhena, subprocurador-geral da República, disse que a operação da Abin na COP-25 é “grave e merece investigação” [11]. Ressalte-se que, em janeiro de 2019, a primeira Medida Provisória de Jair Bolsonaro atribuiu à Secretaria de Governo a função de supervisão e monitoramento das atividades de organismos internacionais e de organizações não governamentais, mudança posteriormente vetada pelo Congresso [veja aqui]. Em fevereiro de 2019, Heleno baixou portaria que ampliou a autorização de servidores da Abin para classificar documentos como sigilosos e ultrassecretos [veja aqui] e agente da Abin foi descoberto trabalhando disfarçado de vigilante na Universidade de Brasília [veja aqui]. No ano seguinte, o governo federal nomeia funcionário da Abin sem identificação para coordenar o órgão da Secretaria de Governo responsável por interlocução com organizações da sociedade civil [veja aqui].
Leia a reportagem sobre a presença da Abin na Convenção do Clima e entenda o monitoramento da agência no evento climático da ONU.
O contrato de assinatura de jornais e revistas impressos para o Palácio do Planalto e o escritório regional da Presidência em São Paulo, que se encerraria no fim do ano, é interrompido nesta data [1]. Segundo o Palácio do Planalto, a decisão segue Portaria editada em abril pelo Ministério da Economia, que recomenda a racionalização do gasto público [2]. As assinaturas digitais, no entanto, serão mantidas [3]. Vale notar que o episódio se dá após declaração do presidente em que ordenou ao governo federal cancelamento de assinaturas da Folha de São Paulo [veja aqui] e consequente exclusão desse veículo de imprensa de edital licitatório [veja aqui].
Juíza da 5ª Vara da Fazenda Pública do Rio de Janeiro, Ana Cecilia Argueso Gomes de Almeida, suspende a realização de show da cantora gospel Anayle Sullivan ou de qualquer outro cantor ou grupo religioso durante a festa de réveillon de Copacabana, e estipula multa de 300 mil reais caso a decisão seja descumprida [1]. A ação, movida pela Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (ATEA), defende que a apresentação viola o Estado laico e a liberdade de crença dos cidadãos [2]. Para a magistrada, a inserção de ‘shows de música gospel, gênero ligado a religiões de origem cristã, e somente desta concepção religiosa, em detrimento das inúmeras outras existentes, inclusive das posições não religiosas, vai de encontro à laicidade estatal e à garantia da liberdade religiosa’ [3]. A cantora é casada com Michael Sullivan, principal parceiro musical de Marcelo Crivella que, além de ser prefeito do Rio de Janeiro, também é pastor evangélico e cantor [4]. Para Crivella, a inclusão da música gospel no Réveillon se deve ao fato de ser o gênero musical mais tocado nas rádios cariocas [5]. A Riotur, empresa municipal responsável pelo evento, afirma que ‘trata-se de uma festa democrática’ que comtemplará ‘diversos ritmos, passando pelo samba, pagode, rock, funk, gospel, entre outros’ [6]. O presidente da empresa afirma que o município vai recorrer da decisão e que a escolha do elenco não foi da prefeitura, mas da SRCom (empresa que faz a produção da festa) a partir de estudos dos artistas de mais audiência nas rádios [7]. Confederação de pastores afirma que a medida judicial evidencia ‘discriminação contra evangélicos’ e que desconhece ‘lei federal que cria a cultura Gospel’ [8]. A prefeitura entra com recurso no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), mas perde novamente [9]. O caso chega ao Supremo Tribunal Federal e o ministro Dias Toffoli suspende a decisão dada pela juíza e que foi mantida pelo TJRJ, autorizando o show da cantora gospel [10]. Para o ministro, ‘foram contratados para se apresentarem no evento diversos profissionais, de variadas expressões artísticas e culturais apreciadas no país’, portanto, determinado estilo musical não pode ser usado ‘como fator de discriminação para fins de exclusão de participação em espetáculo que se pretende plural’ [11]. Vale lembrar que Crivella já vetou a exposição ‘Queermuseu’ [12], rejeitou a apresentação de peça que retratava Jesus como transgênero [13] e, junto ao TJRJ, determinaram a retirada de livros da Bienal por conteúdo LGBT [veja aqui].