A presidência da República coloca todos os relatórios de monitoramento de redes sociais do Planalto sob sigilo com base na Lei de Direitos Autorais [1]. O jornal ‘Estado de São Paulo’ solicitou, via Lei de Acesso à Informação (LAI), todos os relatórios do gênero produzidos pelo governo Bolsonaro de 01/01/19 até 23/11/19; o acesso ao documento foi primeiramente negado pelo Departamento de Conteúdo e Gestão de Canais Digitais da Secretária Especial de Comunicação sob a justificativa de serem ‘documentos preparatórios’, que poderiam ser utilizados para formulação posterior de políticas públicas e, depois, sob a justificativa de que seriam ‘obra científica’ protegida pela Lei de Direitos Autorais [2]. Segundo especialistas, isso violaria a legalidade e prerrogativas da LAI [3]; organização da sociedade civil afirma que a lei de direitos autorais ‘não deve ser utilizada para impedir que cidadãos tenham acesso a informações de interesse público’ [4]. Posteriormente, em recurso administrativo, contrariando parecer positivo para liberação dos documentos por auditora fiscal, a Controladoria Geral da União nega acesso aos documentos [5]. Outros episódios de restrição à informação marcam o governo, como a expedição de decreto para ampliar rol de agentes permitidos a classificar dados públicos como ‘ultrassecretos’ [veja aqui].
Leia análise sobre restrição à LAI nos últimos anos.
O presidente Jair Bolsonaro assina decreto com as regras para o indulto de natal de 2019 [1] com medidas que autorizam o perdão da pena de agentes de segurança pública condenados por crimes culposos – sem intenção – no exercício da profissão [2]. O decreto ainda concede liberdade para militares das Forças Armadas presos por crimes não intencionais relacionados às operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e que tenham cumprido um sexto da pena [3]. Além de ser a primeira vez que um indulto é concedido a uma categoria profissional específica, a medida reforça a ideia de um excludente de ilicitude, isentando de culpa policiais e militares que praticam excessos na atuação, proposta no pacote anticrime [veja aqui], beneficiando policiais militares que integram a base eleitoral de Bolsonaro [4]. Para juristas, o indulto de Bolsonaro viola a Constituição Federal por selecionar arbitrariamente uma categoria profissional como beneficiária [5]. Vale lembrar que o presidente é reconhecido por elogiar policiais militares que matam em serviço [veja aqui] e por ampliar o acesso a armas de fogo para agentes de segurança pública [veja aqui].
Leia análises para entender o que é o indulto de natal, e para compreender as consequências sobre a população prisional.
O Pacote Anticrime, elaborado pelo Ministro da Justiça Sérgio Moro e por comissão de juristas coordenada pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, após 10 meses de trâmite no Congresso Nacional, é sancionado com vetos do presidente Jair Bolsonaro [1]. Apesar das alterações, a Lei 13.964/2019 [2] aumenta o vigilantismo ao permitir a infiltração de policiais na internet e criar o Banco Nacional MultiBiométrico e de Impressões Digitais [3]. Também legitima a violência policial ao ampliar o conceito de legítima defesa, pois na nova redação do art. 25 do Código Penal (CP) é introduzido: ‘considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes’ [4]. A mudança ocorre um mês depois do envio pelo presidente do Projeto de Lei que trata da excludente de ilicitude em operações de Garantia da Lei e da Ordem [veja aqui], e da fala de Bolsonaro criticando o conceito de legítima defesa [veja aqui]. Por outro lado, a nova lei cria figura do ‘juiz de garantias’ e insere a obrigatoriedade de realização das audiências de custódia, ambas compreendidas como medidas garantistas [5]. Em 27/12, associações de magistrados ajuizaram ação no STF contra a figura do juiz de garantias [6]. Em 22/01/2020, o Ministro do STF, Luiz Fux, suspende os dispositivos sobre juiz de garantias [7] e convoca audiências públicas para março [8], atualmente suspensas em razão da crise sanitária [9]. Organizações da sociedade civil ainda identificam que na prática a nova lei favorece a não investigação de mortes decorrentes de intervenção policial [10]. Agora, as investigações contra policiais precisam ser realizadas na presença de advogado, contudo tanto a Denfensoria Pública, quanto as coorporações policiais afirmam não ter contingente para realizar o atendimento jurídico, o que impossibilita o interrogatório e obsta as investigações [11]. Em 04/02/2021, Alexandre de Moraes, ministro do STF, nega pedido para a soltura de presos que não tenham sido submetidos a audiência de custódia com juíz de garantias em até 24h e mantém decisão de Fux [12].
Leia análises sobre os impactos do pacote anticrime realizadas pela Comissão Arns de Defesa dos Direitos Humanos, pela OAB, pela Associação de Juízes pela Democracia, pelo Ibccrim, e pelo Instituto Sou da Paz.
O presidente Jair Bolsonaro edita a Medida Provisória (MP) 914 [1], que muda o processo de escolha dos dirigentes de universidades, institutos federais e do Colégio Pedro II. A votação segue por meio de lista tríplice da comunidade universitária e o presidente continua podendo não escolher o candidato mais votado – ainda que fosse costume anterior, isso não era obrigatório e, com a MP, passa a ser expressa a facultatividade [2]. Agora, porém, são fixados os pesos diferentes de cada classe de votantes [3] e o processo passa a ser direto, não mais intermediado por Conselho Universitário [4]. Além disso, permite a designação de reitores temporários (pro tempore) em caso de vacância no cargo ou ‘irregularidades’ em processos [5]. Após a expedição da MP, há críticas e ações no STF [6]. Em seguida, diversos órgãos representativos da classe universitária assinam notas de repúdio, como o Conif [7], a Andifes [8] e a Frente Parlamentar Mista pela Valorização das Universidades Federais [9]; a Frente, inclusive, apela ao Presidente do Congresso que devolva a MP ao presidente [10]. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) também redige nota de repúdio com outras entidades [11]. Parlamentares e partidos da oposição também ajuízam ações no Supremo Tribunal, ao menos um Mandado de Segurança [12] e uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6315) [13]. Em 02/06, transcorrido seu prazo de vigência sem análise no Congresso, ela perde validade [14]. Outros episódios mostram a tensão do governo com a autonomia universitária, como a aprovação do Decreto 9.794 [15] em 2019 e a edição da MP 979 [16] em 2020 [veja aqui].
Leia as análises sobre as mudanças implementadas pela MP nº 914 e suas ameaças à autonomia universitária brasileira.
O presidente Jair Bolsonaro sanciona lei que extingue a possibilidade de prisão disciplinar para policiais militares (PMs) e bombeiros [1]. A lei determina que os 26 estados e o Distrito Federal tenham um ano para promover mudanças consoantes a nova legislação [2]. Os entes federados devem promulgar um Código de Ética e Disciplina por meio de lei estadual ou federal que determine transgressões, conceitos, recursos, recompensas e novas punições aos PMs e bombeiros [3]. A prisão disciplinar tem tempo máximo de 30 dias e era usada como sanção em mais de 100 transgressões, entre elas, falta ou atraso sem justificativa, disparo por negligência e omissão diante de ordem recebida [4]. Os deputados federais, subtenente Gonzaga (PDT-MG) e Jorginho Mello (PL-SC), que assinam o projeto, afirmam que a lei é um tratado de cidadania dos policiais e bombeiros’ e que a prisão disciplinar é um ‘instrumento pesado de punição’ [5]. Em pelo menos dois estados, Minas Gerais e Ceará, esse tipo de prisão já tinha sido abolido [6]. Em 24/11/2020, o governador do Rio de Janeiro Cláudio Castro (PSC) ajuíza ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a lei [7]. Castro afirma que a prisão é ‘instrumento disciplinar crucial para manutenção da hierarquia’ e que a extinção da prisão disciplinar expõe uma ‘indevida interferência na organização e funcionamento da Administração Pública estadual’ [8]. Em reação, a Advocacia-Geral da União (AGU) envia manifestação ao STF em defesa da lei sob justificativa de que não há qualquer ofensa à autonomia federativa e que a norma não afeta a hierarquia militar [9]. A extinção da prisão preventiva por Bolsonaro é um aceno do presidente aos militares; em 26/05/2020 Bolsonaro edita medida que aumenta a remuneração dos PMs [veja aqui]; em dezembro concede indulto a policiais presos por crimes culposos [veja aqui] como já havia feito em 2019 [veja aqui]. Além disso, no dia 10/07/21, Bolsonaro edita decreto que permitia a ocupação de cargos no governo por militares durante tempo indeterminado [veja aqui].
Leia sobre como Bolsonaro sanciona benesses aos policiais e agentes de segurança pública em busca de fortalecer a base eleitoral.
O presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, ignora dois pareceres técnicos do órgão e autoriza o desmatamento em área da Mata Atlântica no Paraná para um canteiro de obras que servirá de apoio para a construção de uma usina hidrelétrica [1]. As obras e o desmatamento já haviam sido iniciados antes da autorização [2]. A empresa responsável pela construção realizou dois pedidos desde 2018, mas os pareceres recomendaram que o Ibama não autorizasse o desmatamento da área sob a justificativa de apresentar um ‘elevado potencial ambiental, cultural e paisagístico’ [3] e possuir espécies ameaçadas de extinção e rica em fauna que só existe nesse local [4]. Em nota, o Ministério do Meio Ambiente afirma não ter havido impedimentos para a ‘supressão vegetal necessária’ à instalação da obra, mas funcionários alegam que as duas normativas foram alteradas para beneficiar a empresa [5]. O ministro do Meio Ambiente já havida exonerado 21 dos 27 superintendentes regionais do Ibama [veja aqui], prática nunca vista nessa amplitude [6], além de exonerar servidor público do Ibama que multou Bolsonaro por pesca irregular [veja aqui] e trocar diretor de Proteção Ambiental do Ibama após operação contra garimpos [veja aqui]. Multas por crimes contra desmatamento também caíram 23% no início do governo [veja aqui]. Em 2020, através de decreto ainda não publicado, o Ministério do Meio Ambiente facilita a liberação de licenças ambientais para construção de grandes obras na área de proteção da Mata Atlântica e o governo ajuíza ação a favor da regularização de desmatadores no bioma [veja aqui].
Leia a análise sobre a atuação do Ibama e suas mudanças sob o começo do governo Bolsonaro.
O presidente da República Jair Bolsonaro extingue, por decreto [1], o Conselho Deliberativo da Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ). A FUNDAJ, criada em 1949 por Gilberto Freyre, é um centro de estudos e pesquisas em ciências sociais localizado em Recife, Pernambuco [2]. Seu Conselho Deliberativo era responsável pela aprovação da proposta do Conselho Diretor sobre ‘prioridades e linhas gerais orientadoras das atividades’ da fundação, que fica sem espaços de decisão além de seu conselho diretor [3]. O grupo de deliberação era formado por diversos profissionais, incluindo representante de universidades, profissionais liberais e da comunidade científico-cultural [4]. Com isso, a Fundação perde um espaço deliberativo e de tomada de decisão [5]. Outros Conselhos de participação já foram ameaçados pelo presidente, bem como grupos de trabalho e comitês da sociedade civil [veja aqui].
Dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação apontam número recorde na utilização da Lei de Segurança Nacional (LSN) no ano de 2019, com abertura de 28 investigações para apurar supostos crimes cometidos contra a legislação [1]. A LSN foi criada durante a ditadura militar, listando crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social e serviu para perseguir opositores do regime [2]. Vigente até hoje, ela havia sido usada em poucas situações desde a redemocratização do país [3], observando-se, nos últimos três anos, 19 investigações abertas em 2018, 5 em 2017 e 7 em 2016 [4]. Especialistas apontam que os artigos da lei são subjetivos, o que facilita a utilização em larga escala [5], inclusive servindo para ‘intimidações políticas’ [6]. Apesar da lei ter origem em um regime de exceção, em novembro deste ano, Bolsonaro afirmou que a lei ‘está aí para ser usada’ [7] e indicou que o discurso contrário ao governo do ex-presidente Lula poderia ser enquadrado na LSN [veja aqui], havendo posterior abertura de inquérito criminal para investigá-lo após pedido do ministro da Justiça, Sergio Moro [veja aqui]. Em 2020, o uso da LSN deve bater novo recorde [8], já tendo servido para instaurar 15 inquéritos no 1º semestre [9], dentre eles, um que investiga chargista e jornalista que publicaram cartum crítico ao governo [veja aqui].
Leia as análises sobre o que é a Lei de Segurança Nacional, como ela vem sendo usada contra opositores do governo, como ela representa uma herança da ditadura e as indagações apontadas em parecer que podem levar ao seu questionamento junto ao Supremo Tribunal Federal.
Seis crianças, entre 5 e 12 anos, morrem vítimas da letalidade policial na região metropolitana do Rio de Janeiro: Jenifer, Kauan, Kauã, Kauê, Ágatha [veja aqui] e Kethellen [1]. Os números excluem adolescentes [2] e refletem a política de segurança pública de Wilson Witzel, governador do estado: ao longo do ano, o chefe do Executivo afirmou que a polícia ‘mandou recado’ sobre o aumento do número de mortes da corporação [veja aqui],e também não viu problemas em atuação do Exército que alvejou com 80 tiros o carro do músico Evaldo dos Santos Rosa [veja aqui]. São diversas as manifestações da sociedade civil em 2019, como o envio de 1.500 cartas escritas por crianças moradoras do Complexo da Maré para o Tribunal de Justiça do estado [3] e envio de petição para o Ministério Público do estado apontando que não apenas as crianças mortas ou feridas são vítimas do confronto armado no estado, mas há também impactos de direitos como a liberdade de ir e vir, à uma rotina escolar e aos espaços comunitários [4]. Os índices de letalidade policial registrados pela polícia em 2019 são os mais altos em duas décadas [5] Em 2020, o Supremo Tribunal Federal proíbe operações policiais em favelas da cidade [veja aqui], especialmente após repercussão de que a letalidade policial fez como vítima mais quatro jovens [veja aqui] [veja aqui] [veja aqui].
Leia as análises sobre o crescimento da violência estatal contra crianças, as características da letalidade policial no Rio de Janeiro, e ouça podcast sobre as diferentes versões sobre abordagens policias em comunidades.
No primeiro ano do governo Bolsonaro, o registro de novas posses de arma concedido pela Polícia Federal sofreu um aumento de mais de 48% em comparação com o mesmo período do ano anterior, atingindo o maior número das últimas décadas [1]. Os dados não incluem o número de registros para caçadores, atiradores e colecionadores (CACs), que sofreu um aumentou de 8% [2]. O governo Bolsonaro, engajado com a pauta armamentista, editou uma série de medidas em 2019 sobre o assunto, que tiveram como objetivo facilitar autorizações e flexibilizar regras para posse e porte de armas [3]. Dentre elas, está o decreto de janeiro que amplia o acesso à posse [veja aqui], outros dois em maio, o primeiro que flexibiliza o porte [veja aqui], e o segundo que altera pontos controvertidos [veja aqui] e outros três em junho que revogam os decretos anteriores, mas mantêm a flexibilização das regras para facilitar o acesso de armas ([veja aqui], [veja aqui] e [veja aqui]). Em dezembro, o Comando Logístico do Exército reduz a burocracia para manutenção do registro de armamento sobre atividades de CACs [veja aqui]. Questionado sobre os decretos, Bolsonaro defende a sua legalidade e afirma que as escolhas políticas não devem sofrer interferência do Judiciário [4]. Estudos apontam que a ampliação no acesso às armas aumenta a violência contra a mulher [5] e a preocupação foi discutida em debate na Câmara dos Deputados [6]. Em 2020, o primeiro semestre já tem um aumento de 205% no total de novos registros de armas [veja aqui] [7] e um levantamento aponta crescimento de 601% dos novos registros nos últimos dez anos [8].
Leia a comparação entre o controle de armas no período anterior e posterior ao primeiro ano do governo Bolsonaro, o balanço da política de segurança pública do governo em 2019, a relação entre o aumento de armas e o aumento da violência e 5 estudos sobre as consequências do acesso a armas.