Seis crianças, entre 5 e 12 anos, morrem vítimas da letalidade policial na região metropolitana do Rio de Janeiro: Jenifer, Kauan, Kauã, Kauê, Ágatha [veja aqui] e Kethellen [1]. Os números excluem adolescentes [2] e refletem a política de segurança pública de Wilson Witzel, governador do estado: ao longo do ano, o chefe do Executivo afirmou que a polícia ‘mandou recado’ sobre o aumento do número de mortes da corporação [veja aqui],e também não viu problemas em atuação do Exército que alvejou com 80 tiros o carro do músico Evaldo dos Santos Rosa [veja aqui]. São diversas as manifestações da sociedade civil em 2019, como o envio de 1.500 cartas escritas por crianças moradoras do Complexo da Maré para o Tribunal de Justiça do estado [3] e envio de petição para o Ministério Público do estado apontando que não apenas as crianças mortas ou feridas são vítimas do confronto armado no estado, mas há também impactos de direitos como a liberdade de ir e vir, à uma rotina escolar e aos espaços comunitários [4]. Os índices de letalidade policial registrados pela polícia em 2019 são os mais altos em duas décadas [5] Em 2020, o Supremo Tribunal Federal proíbe operações policiais em favelas da cidade [veja aqui], especialmente após repercussão de que a letalidade policial fez como vítima mais quatro jovens [veja aqui] [veja aqui] [veja aqui].
Leia as análises sobre o crescimento da violência estatal contra crianças, as características da letalidade policial no Rio de Janeiro, e ouça podcast sobre as diferentes versões sobre abordagens policias em comunidades.
No primeiro ano do governo Bolsonaro, o registro de novas posses de arma concedido pela Polícia Federal sofreu um aumento de mais de 48% em comparação com o mesmo período do ano anterior, atingindo o maior número das últimas décadas [1]. Os dados não incluem o número de registros para caçadores, atiradores e colecionadores (CACs), que sofreu um aumentou de 8% [2]. O governo Bolsonaro, engajado com a pauta armamentista, editou uma série de medidas em 2019 sobre o assunto, que tiveram como objetivo facilitar autorizações e flexibilizar regras para posse e porte de armas [3]. Dentre elas, está o decreto de janeiro que amplia o acesso à posse [veja aqui], outros dois em maio, o primeiro que flexibiliza o porte [veja aqui], e o segundo que altera pontos controvertidos [veja aqui] e outros três em junho que revogam os decretos anteriores, mas mantêm a flexibilização das regras para facilitar o acesso de armas ([veja aqui], [veja aqui] e [veja aqui]). Em dezembro, o Comando Logístico do Exército reduz a burocracia para manutenção do registro de armamento sobre atividades de CACs [veja aqui]. Questionado sobre os decretos, Bolsonaro defende a sua legalidade e afirma que as escolhas políticas não devem sofrer interferência do Judiciário [4]. Estudos apontam que a ampliação no acesso às armas aumenta a violência contra a mulher [5] e a preocupação foi discutida em debate na Câmara dos Deputados [6]. Em 2020, o primeiro semestre já tem um aumento de 205% no total de novos registros de armas [veja aqui] [7] e um levantamento aponta crescimento de 601% dos novos registros nos últimos dez anos [8].
Leia a comparação entre o controle de armas no período anterior e posterior ao primeiro ano do governo Bolsonaro, o balanço da política de segurança pública do governo em 2019, a relação entre o aumento de armas e o aumento da violência e 5 estudos sobre as consequências do acesso a armas.
Ministério da Educação edita Portaria [1] que estabelece regras de viagens para os servidores ligados a pasta, de modo a limitar a participação de professores e cientistas em eventos nacionais e internacionais. A medida, aplicada a todas universidades e institutos federais, estabelece limite de participação de no máximo dois representantes, por entidade, para eventos no país, e um representante, por entidade, em eventos no exterior [2]. Em reação, mais de 60 entidades científicas endossam carta elaborada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e Academia Brasileira de Ciências (ABC), solicitando a revisão da portaria editada pelo MEC. As entidades apontam riscos gerados pela medida à qualidade da pesquisa nacional e sua disseminação internacional, como a inviabilização de reuniões científicas anuais, a dificuldade de participação de jovens pesquisadores em congressos científicos, e o risco iminente a missões bilaterais e colaborações internacionais [3]. Após reiterados protestos da comunidade acadêmica, em 06/02/2020 a medida é revogada por nova portaria [4].
Leia análise sobre possíveis impactos da restrição de viagens de cientistas para o exterior e crítica à baixa repercussão da medida governamental.
Ministério da Educação apresenta nova versão do Future-se, programa que visa flexibilizar o financiamento do ensino superior a partir da alteração de leis para captação de recursos e abre nova consulta pública antes do envio de Projeto de Lei (PL) ao Congresso Nacional. A primeira proposta do programa já havia sido rejeitada por universidades e entidades científicas. O Ministério Público Federal ajuíza ação na Justiça pedindo que o MEC refizesse a consulta pública do programa, por descumprimento de requisitos legais mínimos. Em resposta, o MEC divulga nota afirmando que apresentaria novo texto do programa e abriria consulta pública [1]. De acordo com o novo texto, as bolsas da Capes serão concedidas prioritariamente para os participantes do programa [2]. Segundo especialistas da educação, o novo texto do Future-se mantém os problemas apontados na versão anterior, tanto em relação à autonomia de gestão quanto à forma de financiamento [3]. Em 27/05/2020, o PL do Future-se é encaminhado ao Congresso, sem detalhamento do texto por parte do governo [4]. O ato é criticado por entidades científicas e organizações estudantis, tendo em vista envio ‘em silêncio’ do PL durante a pandemia da covid-19 e a ausência de diálogo e participação da comunidade acadêmica [5].
Leia análises sobre os entraves do Future-se nas universidades e no Congresso e os riscos impostos por restrições orçamentárias do programa.
A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) através de Resolução Normativa [1], determina algumas alterações sobre a liberação comercial de Organismos Geneticamente Modificados (OGM) e seus derivados [2], que foram impulsionados no mercado desde o início do governo Bolsonaro [3] e se somam a outras alterações normativas que propiciam o aumento de OGM . Uma das alterações é a lista de informações que empresas devem fornecer à comissão para análise, caso interessadas em colocar no mercado produtos com OGM. A mudança reduz o detalhamento das informações sobre esses organismos quando consumidos por humanos ou animais [4]. As consultas públicas, que eram obrigatórias para todos os pedidos de liberação de OGM, não existem mais, e as propostas seguem direto para a análise do conselho da comissão [5]. Existe a possibilidade da realização de audiência pública, que difere das consultas públicas anteriores, caso haja um pedido de um integrantes da CTNBio ou de parte comprovadamente interessada na matéria [6]. De acordo com o professor e pesquisador Marcos Pedlowski ‘dificilmente empresas que querem aprovar o uso comercial deste ou daquele OGM vão estimar corretamente os níveis de risco, perigo e dano ao ambiente e à saúde humana que os mesmos trazem com sua liberação para uso comercial’ [7].
Leia mais sobre a crítica do Idec à nova Resolução.
Ministério da Educação (MEC) deixa em suspenso contratação de 19,5 mil docentes e técnicos em universidades e institutos federais, e gera temor no início de ano letivo pela falta de profissionais. Nesta data, Secretário de Educação Superior substituto encaminha Ofício [1] aos dirigentes das instituições federais de ensino superior (IFES) informando que as contratações estariam suspensas até a publicação da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2020 [2]. Em 17/01/2020, a LOA é publicada [3]. Em 04/02/2020, novo Oficio [4] do MEC veta a promoção por parte das IFES de novos atos que aumentem despesas com pessoal ativo e inativo, benefícios e encargos à servidores públicos, como pagamento de horas extras, adicional noturno e aumento salarial. A justificativa apresentada é que a LOA teria aprovado orçamento da pasta educacional com redução de R$ 2,7 bilhões da previsão original, e a necessidade de respeito a ‘regra de ouro’ prevista na Constituição que impede a contratação por parte do Executivo de empréstimos para pagar despesas correntes visando a manutenção da saúde das contas públicas [5]. Em 10/02/2020, imprensa apura que a maioria das contratações ainda estavam suspensas [6]. Universidades e entidades sindicais se manifestam em opisição aos ofícios do Ministério da Educação [7]. A UnB aciona o Tribunal de Contas da União (TCU) para avaliar e entender a origem dos cortes orçamentários realizados pelo MEC [8]. Algumas instituições de ensino anunciam a suspensão de novas contratações [9] e de pagamentos adicionais [10], enquanto outras universidades federais não acatam a ordem do MEC, realizando a contratação [11] de professores e pagamento de benefícios [12].
Leia análise explicativa da ‘regra de ouro’ prevista na Constituição Federal.
Ministério do Turismo exonera e dispensa diretor e chefes de Centro de Pesquisa da Fundação Casa de Rui Barbosa. Com a decisão, ficam dispensados sociólogo, crítica literária e jornalista e chefes de pesquisa, respectivamente nas áreas de Pesquisa Ruiana, História e Filologia, bem como exonerados o diretor do Centro de Pesquisa e o chefe de pesquisa na área do Direito [1]. O episódio ocorre após a polêmica nomeação da nova presidenta da Casa de Rui Barbosa, Letícia Dornelles, quando o governo Bolsonaro quebrou com a tradição de apontar acadêmicos para a direção do instituto federal de pesquisa, optando pela jornalista e roteirista [2] [veja aqui]. Entidades científicas expressam repúdio às dispensas, afirmando se tratar de mais um caso de desmonte de instituições relevantes para a pesquisa, ciência e patrimônio histórico e cultural brasileiro [3]. Em 13/01, manifestantes protestam contra as dispensas e encontram os portões da Fundação fechados ao público e a bolsistas [4].
Leia análise sobre o cenário de incertezas na Casa de Rui Barbosa e os riscos para o conhecimento científico gerados pelo atual governo.
O desembargador Benedicto Abicair, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), determina, em decisão liminar, a suspensão da exibição e divulgação publicitária do programa ‘Especial de Natal: A Primeira Tentação de Cristo’ da produtora Porta dos Fundos, atendendo a pedido da associação católica Centro Dom Bosco de Fé e Cultura [1]. O programa foi extremamente criticado por religiosos ao representar Jesus Cristo como homossexual e de satirizar outras figuras bíblicas relevantes [2]. O magistrado argumenta que a liberdade de expressão não é absoluta e que a suspensão é adequada para ‘acalmar os ânimos’ e mais benéfica para a sociedade brasileira de maioria cristã [3]. Em primeira instância o pedido foi negado, pois, ao sopesar o direito à proteção do sentimento religioso e da liberdade de expressão artística, a juíza entendeu que a proibição da exibição só poderia ocorrer caso houvesse ‘a prática de ilícito, incitação à violência, discriminação e violação de direitos humanos nos chamados discursos de ódio’ [4]. O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, se posiciona contra a decisão liminar do TJRJ, afirmando que se trata de cerceamento à liberdade de expressão [5]. Dias antes, a sede do Porta dos Fundos foi alvo de um atentado com bombas caseiras em represália ao programa [6], a produtora declara em nota que condena qualquer ato de violência e afirma que ‘o país sobreviverá a essa tormenta de ódio’ [7]. Em novembro de 2020, o Supremo Tribunal Federal decide, em caráter definitivo, que o Especial de Natal do Porta dos Fundos não incita a violência e deve ser exibido [8]. Outros episódios de violações à liberdade artística são vistos no Congresso Nacional, onde um deputado quebrou uma placa com charge crítica à atuação da polícia em exposição [veja aqui], e no Itamaray, pois a diplomacia brasileira solicitou a retirada de filme sobre o cantor Chico Buarque de festival de cinema internacional [veja aqui].
Leia as análises sobre a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro no caso Porta dos Fundos e qual o conceito de liberdade de expressão artística para o direito.
Carros-chefe da educação no governo Bolsonaro, as escolas cívico-militares (Ecim) [veja aqui] terão atividade semanal voltada ao ‘desenvolvimento de valores e atitudes’ [1]. Diversos detalhes do programa ainda não são divulgados nesta data [2], mas apuração da imprensa revela que será implementado o ‘projeto valores’ [3]. De acordo com ofício do Ministério da Educação (MEC), tal projeto fica a cargo da direção escolar e é obrigatório [4]. O projeto implica também o acompanhamento dos alunos por meio de indicadores [5]. No mês seguinte, o MEC divulga, após pedido pela lei de acesso à informação (LAI) [6], manual [7] das Ecim, que traz mais informações e rigorosas normas de conduta [8]. O projeto organiza-se em 10 competências a serem desenvolvidas através do ‘envolvimento de todos os profissionais’ e deve ser avaliado continuamente para ver se alcançou os ‘objetivos desejados’; dentre as competências, estão a responsabilidade e cidadania, o trabalho e o projeto de vida e a cooperação [9]. O projeto não é previsto nas diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (documento que norteia os currículos da educação básica no país [10]), a que as Ecim se submetem [11]. Quanto às condutas proibidas no manual, estão o uso de adereços não discretos e o tingimento de cabelos e também são previstas notas de comportamento aos alunos [12]. A repercussão da divulgação do manual é negativa e se soma às diversas críticas ao programa já anunciado ano passado [13] [veja aqui]. Críticos e especialistas mencionam o apego à disciplina, em detrimento dos valores de justiça social e respeito à diversidade [14] e também o foco do projeto na formação para o trabalho, em prejuízo de uma concepção mais abrangente de educação [15]. Quando da ditadura militar, aulas de educação moral e cívica se tornaram obrigatórias e tinham por objetivo, por exemplo, a transmissão de valores de cidadania [16]; o paralelo pode ser feito ao presente evento, que já era cotado na campanha presidencial [17].
Leia as análises sobre as diferenças entre Ecim e escolas militares, seus problemas, o rigor do manual divulgado e as aulas de educação moral e cívica durante a ditadura militar.
O novo Regimento Interno [1] da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) é aprovado com mudanças importantes sobre a composição e escopo de atuação da CEMDP [2]. Na nova redação, o art. 2 do regimento prevê que a composição dos sete membros da Comissão será designada por escolha do Presidente da República, sendo quatro pertencentes a órgãos pré-estabelecidos e três de livre escolha. A nova regra elimina a obrigatoriedade anterior de que entre os escolhidos estejam pessoas ‘de reconhecida atuação na temática, objeto de sua atuação e com compromisso com a defesa de princípios fundamentais da pessoa humana’ [3]. Em nota, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos afirma que ‘todas as modificações foram feitas rigorosamente para eliminar irregularidades cometidas pela antiga gestão ao adequar o documento à Lei 9.140/95, que criou a comissão’, reiterando ser inverídica informação de que o presidente teria alterado a forma de escolha dos Conselheiros [4]. Vale lembrar que em agosto de 2019 o presidente já havia interferido na Comissão, realizando a troca de quatro de seus dos sete integrantes por apoiadores políticos [veja aqui]. Na oportunidade, a Comissão Arns lançou nota pública em defesa da CEMDP [5], e o Conselho Superior do Ministério Público Federal rejeitou a indicação do presidente [6].
Leia análises sobre o novo regimento interno da Comissão de Mortos e desaparecidos e sobre o histórico de atuação de comissões de direitos humanos no Brasil.