O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), sanciona lei estadual [1], que introduz a classificação indicativa em exposições, amostras, exibições de arte e eventos culturais [2]. De acordo com o texto, a classificação das exposições por faixa etária fica a cargo dos artistas e produtores, que podem ser denunciados por qualquer pessoa que não concorde com a classificação, sendo passíveis de punição pelas autoridades responsáveis [3]. Para artistas e curadores da área, o projeto promove a criminalização de artistas e estabelece censura prévia, uma vez que pressupõe que a manifestação criativa possa trazer algum tipo de malefício e gera um sentimento medo às represálias do poder público [4]. Além disso, ressaltam que a classe artística não foi ouvida e que o projeto contradiz o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que determina ser da responsabilidade dos pais a decisão sobre o acesso dos filhos às manifestações culturais [5]. Após requisição do Ministério Público, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) julga a lei estadual inválida, pois viola a competência do governo federal para legislar sobre a matéria, regra prevista na Constituição da República e no ECA [6]. O autor do projeto de lei, discorda da decisão do TJRS, afirmando que a classificação indicativa é uma forma de ‘garantir à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de conteúdos inadequados’ [7]. Atualmente, no Congresso Nacional, tramitam 10 propostas similares [8], algumas das quais citam o caso Queermuseu [9] e a performance no Museu de Arte Moderna de São Paulo [10], que foram objeto de polêmica e censura.
O general da divisão de chefia da Secretaria de Governo, o ministro Carlos Alberto dos Santos Cruz, decide suspender o programa ‘Sem Censura’ da TV Brasil, criado em 1985, logo após a redemocratização, e que foi, por anos, apresentado por Leda Nagle, que aceitou a missão de politizar a TV pública brasileira através de debates plurais [1]. A produção é pega de surpresa pela decisão e tinha vários convidados confirmados para fevereiro [2]. No dia seguinte, após repercussão negativa da medida, o governo volta atrás e mantém o programa; no entanto, as gravações ao vivo só voltam em março [3]. Em 2020, cresce a insegurança da produção com relação à exibição, que deve ser reformulada para um formato sem participação do público e ‘chapa-branca’, ou seja, em prol de um governo específico [4]. Em nota, a Frente Nacional em Defesa da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) questiona as mudanças promovidas pelo governo federal no programa, afirmando que a administração visa a ‘desfigurar o modelo de entrevistas e debates’, reduzir o tempo das discussões e transferir a competência de escolha dos convidados à nova direção, o que antes era feito pelo quadro de funcionários [5]. Dossiê feito por funcionários da EBC mostra que o governo Bolsonaro interferiu 138 vezes na emissora [6]. Vale lembrar que o governo tentou unificar a TV Brasil, que é uma estatal, com a NBR, emissora do governo federal, o foi considerado inconstitucional e ilegal pela Câmara dos Deputados [veja aqui] e os funcionários da TV Brasil afirmam que a emissora censurou clipe de Arnaldo Antunes que criticava milicianos [veja aqui].
O presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) exonera o chefe do Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha, Felipe Mendonça [1]. A medida é tomada após uma reunião do ICMBio com empresários da ilha e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles [2]. Mendonça apresentava uma postura crítica em relação ao aumento de turistas e permissão para a construção de pousadas na ilha [3]. Bolsonaro, nas redes sociais, critica a cobrança de taxa para obter acesso às praias da ilha que, na sua visão, configura ‘roubo’ e explica porque ‘quase inexiste turismo no Brasil’ [4]. Pesquisadora afirma que a elevada quantidade de turistas na região afugenta a fauna terrestre e coloca em risco a vida marinha [5] e, de acordo com o coordenador de projeto ambiental, o aumento de passeios pelas águas já alterou a rotina dos golfinhos [6]. A Associação dos Pousadeiros de Fernando de Noronha contesta as críticas do presidente, ressaltando a importância de controlar o número de pessoas, principalmente pela capacidade limitada de água na ilha [7]. Vale notar a postura frequente do governo de promover alterações em cargos de órgãos do meio ambiente. Em março, servidor público que multou Bolsonaro por pesca irregular é exonerado do cargo [veja aqui], em agosto, dois oficiais de área de proteção em Alagoas que multaram presidente da Embratur são realocados [veja aqui], o governo Bolsonaro exonera diretor do Inpe [veja aqui] e o ICMBio transfere especialista em golfinhos de Fernando de Noronha [veja aqui]. No ano seguinte, diretores do Ibama são exonerados [veja aqui] e o Ministro Ricardo Salles sugere aprovar medidas de flexibilização das políticas ambientais aproveitanto a atenção do país à covid-19 [veja aqui].
Leias as análises sobre a gestão de Fernando de Noronha inspirada em práticas internacionais, o histórico de demissões por discordância com o governo e as decisões da gestão que fragilizam o controle ambiental.
Em Portarias [1] [2] desta data e de 28/02, o ministro da Justiça, Sergio Moro, nomeia dois agentes de carreira da Polícia Rodoviária Federal para os cargos de ouvidor e coordenador-geral da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, órgão pertencente ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e responsável de receber, examinar e encaminhar denúncias de violações aos direitos humanos, Fernando Cesar Pereira Ferreira e Wendel Benevides Matos [3]. A portaria de fevereiro também nomeia outra policial rodoviária federal para a chefia da Coordenação-Geral do Sistema Integrado de Atendimento às Mulheres em Situação de Violência que permanece setes meses no cargo, Lorena de Oliveira Lopes [4]. Em relação aos cargos de direção, como o ocupado pelo novo ouvidor Ferreira, em 2016 a Controladoria Geral da União havia declarado que eles se destinam a servidores que apresentem experiência requerida para o desempenho da função [5]. As nomeações surpreendem ativistas pelos agentes não terem histórico de atuação na área de direitos humanos. Em 2020, uma das ativistas afirma que, em reunião recente com a ministra Damares Alves e Ferreira, o ouvidor não demonstra ter conhecimento a respeito dos procedimentos internos e a estrutura do Ministério e uma jurista ligada à área avalia que o Ministério não está nomeando pessoas com trajetória consistente em direitos humanos [6]. Vale notar que, em 2020, o Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos retira os dados sobre violência policial de relatório sobre violações de direitos humanos registradas pelo Disque 100 no ano de 2019 [veja aqui].
O Ministério da Saúde publica nota técnica [1] que promove mudanças na Política de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas. O documento permite a compra de aparelhos de eletrochoques para o Sistema Único de Saúde (SUS), reitera a possibilidade da internação de crianças e adolescentes em hospitais psiquiátricos e adota a abstinência como política de tratamento de dependentes de drogas, retirando o protagonismo da política de redução de danos [2]. Em entrevista, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirma desconhecer o documento e, ao tomar conhecimento dos temas, diz que as medidas são controversas [3], mas dias depois defende que a liberação para a compra de eletrochoque não seja vetada por se alinhar à posição do Conselho Federal de Medicina [4]. O coordenador geral do Ministério afirma que o intuito é orientar os gestores do SUS sobre a política de saúde mental [5]. O texto foi divulgado no site do Ministério, mas foi retirado dois dias depois após as críticas. Segundo a pasta, o documento ainda se encontra na fase de consulta interna para receber contribuições de outros órgãos [6]. Especialistas criticam as mudanças e consideram um retrocesso [7]. Em março, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH)[8] recomenda a imediata suspensão das medidas em execução pelo governo e exige uma ampla discussão em audiências públicas, afirmando que algumas vão na contramão da Lei da Reforma Psiquiátrica, como a abstinência como opção de tratamento a usuário de drogas e o retorno de hospitais psiquiátricos nas Redes de Atenção Psicossocial, visto por especialista como um modelo que explora a internação e no qual ‘as pessoas perdem o direito à cidadania e, muitas vezes, a vida’ [9]. Nos meses seguintes, Bolsonaro baixa decreto que representa retrocesso na política sobre drogas [veja aqui], altera a composição do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas [veja aqui] e, em 2020, governo edita novas regras ao tratamento de comunidades terapêuticas durante a pandemia [veja aqui].
Leia a análise sobre as questões envolvendo o uso do eletrochoque como forma de tratamento e um artigo sobre a política de redução de danos a usuários de drogas.
O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, edita portaria [1] que promove alterações no currículo do Instituto Rio Branco – instituição que forma diplomatas do Itamaraty. A principal mudança consiste na retirada da matéria que trata da história dos países da América Latina [2]. Além disso, o novo curso de Política Internacional apresenta como objetivo distanciar os diplomatas de ‘amarras ideológicas eventualmente adquiridas em sua formação anterior’ [3]. Além dessas alterações, Ernesto Araújo pretende formar uma coordenação do instituto mais alinhada com a sua visão de mundo e planeja mudar a diretoria [4]. Questionado sobre as mudanças, o Ministério das Relações Exteriores afirma que as modificações no currículo são práticas regulares no Instituto Rio Branco e o Itamaraty declara que a disciplina foi excluída porque o conteúdo já é ‘amplamente exigido’ no concurso [5]. A Associação Nacional dos Pesquisadores e Professores de História das Américas (ANPHLAC), por meio de nota, repudia a exclusão da disciplina e afirma que a decisão aponta para uma menor ênfase a temas sobre a região [6]. As medidas também recebem críticas de embaixadores e professores [7]. Vale notar que, em julho, o Ministério exclui conteúdos ligados às políticas econômicas de governos petistas de edital para ingresso na carreira diplomática [veja aqui] e, no ano seguinte, nomeia especialista em filósofo fascista para banca de seleção de novos diplomatas .
Leia a análise sobre as consequências da gestão de Ernesto Araújo para a diplomacia brasileira.
O Ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, assina portaria [1] determinando que 12 funcionários da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), entidade responsável por investigar ameaças à segurança nacional [2], tenham o poder de classificar documentos como secretos ou ultrassecretos, correspondentes a 15 e 25 anos de sigilo, respectivamente; competência antes privativa do Ministro do GSI [3]. Entre junho de 2017 e maio de 2018, o GSI foi o segundo órgão que mais classificou documentos como sigilosos, apenas perdendo para o Comando da Marinha [4]. A medida de Heleno tem amparo no decreto editado no mês anterior pelo Vice-Presidente, Hamilton Mourão, que alterou a Lei de Acesso à Informação (LAI) ampliando o número de servidores responsáveis por atribuir sigilo a documentos [veja aqui]. Especialistas foram surpreendidos com a portaria de Heleno, pois aguardavam a próxima reunião do Conselho de Transparência da Controladoria-Geral da União, na qual o governo iria explicar o novo Decreto de Mourão [5]. Organização da sociedade civil critica a medida, afrimando que ela promove atos semelhantes em outros e contribui para a diminuição da transparência do governo [6]. Em nota, o GSI afirma que a portaria visa a ‘desburocratizar e agilizar a tramitação de documentos sigilosos’ [7]. Em outra oportunidade, os relatórios de monitoramento de redes sociais do Planalto foram colocados sob sigilo com base na Lei de Direitos Autorais [veja aqui].
Leia mais sobre o que faz a Abin e as mudanças na LAI no início do governo Bolsonaro
A Polícia Militar mata 15 pessoas durante operação no morro do Fallet, no Rio de Janeiro, e afirma que as mortes ocorreram em razão de confronto [1]. Familiares das vítimas denunciam a operação como chacina e testemunhas apontam que além de não ter havido troca de tiros, os jovens já estavam rendidos quando houve a abordagem policial [2]. O porta-voz da Polícia Militar informa que o caso está sendo investigado na Polícia Militar e na Delegacia de Homicídios [3] e o Ministério Público também apura os fatos [4]. A Defensoria Pública do Rio de Janeiro afirma que há indícios de mutilações dos corpos [5]. O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, elogia a operação e declara que foi uma ação legítima [6]. Em outubro, o inquérito instaurado pela Polícia Militar conclui que não houve crime ou transgressão nas condutas dos policiais e o ouvidor-geral da Defensoria Pública afirma que a perícia realizada no dia dos assassinatos é questionável [7]. O episódio causou o maior número de mortes em ações policiais desde os últimos 12 anos no estado [8]. Este não é um caso isolado. Em outubro, a Polícia Militar mata 17 pessoas em Manaus e o governador do Amazonas exalta a luta contra o crime organizado [veja aqui] e, em dezembro, uma operação policial em Paraisópolis mata nove jovens e o governador de São Paulo, João Dória, afirma que a política de segurança pública não vai mudar [veja aqui].
Leia a análise sobre indícios de que a Polícia Militar mascarou as execuções e ouça as análises sobre a segurança pública e a estrutura das polícias militares no país.
O ministro da Justiça, Sergio Moro, se recusa a responder questionamento feito pelo partido PSOL sobre eventuais visitas dos representantes da empresa de armamentos Taurus ao ministério antes da edição do decreto [veja aqui] que ampliou o acesso à posse de armas [1]. Para não fornecer os dados solicitados através da Lei de Acesso à Informação (LAI), o ministro alega direito à privacidade [2]. O PSOL enviou pedido semelhante à Casa Civil, que confirmou que Salesio Nuhs, presidente da Taurus, encontrou-se com o chefe de gabinete do ministro Onyx Lorenzoni quatro dias antes da publicação do decreto [3]. Ante a negativa de Moro, o PSOL protocola pedido de informação na Câmara dos Deputados e afirma que é importante saber quem são os ‘reais interessados’ no decreto [4]. Moro publica nota através da plataforma do Ministério da Justiça (MJSP) afirmando que a matéria da Folha de São Paulo (FSP) está totalmente incorreta, pois o requerimento foi respondido por setor do MJSP sem seu prévio conhecimento, portanto, ele não teria respondido ‘diretamente’ ao pedido [5]. O ministro nega ter se encontrado com representantes da Taurus [6]. A FSP afirma que a matéria está correta, pois a resposta à solicitação do PSOL partiu do MJSP [7]. Nos meses seguintes, o presidente Jair Bolsonaro edita decretos que flexibilizam o porte de armas [veja aqui], [veja aqui], [veja aqui], [veja aqui], [veja aqui] e [veja aqui]. Além disso, o governo federal faz alterações na LAI ampliando a classificação de documentos ‘ultrassecretos’ [veja aqui] [veja aqui], usa a Lei de Direitos Autorais para guardar sigilo [veja aqui] e, no ano seguinte, edita medida provisória que suspende prazos e recursos dos pedidos da LAI [veja aqui]. Ressalte-se, ainda, que entre janeiro de 2019 e abril de 2020, ocorreram 73 reuniões entre o governo e representantes do setor de armamentos [8].
Leia mais sobre como funciona a Lei de Acesso à Informação e a análise sobre o impacto da política armamentista de Bolsonaro
Integrantes do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), órgão responsável por investigar violações de direitos humanos em unidades prisionais, acusam o Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humano de impossibilitar viagem ao Ceará a fim de apurar denúncias de tortura e tratamento cruel no sistema penitenciário do estado [1]. Segundo o coordenador do MNPCT, José de Ribamar de Araújo, o Ministério não liberou recursos para a realização da viagem sob o argumento de que não foi apresentada justificativa plausível para a realização da inspeção [2]. Araújo afirma ser uma situação inédita em todos os anos de atuação do órgão [3]. Em resposta, o Ministério declara que o pedido ocorreu fora do prazo de antecedência mínima de 15 dias estabelecido em portaria e que não foi demonstrada urgência [4]. O Ministério Público Federal (MPF) solicita esclarecimentos em razão da gravidade da situação [5]. Dias depois, o Ministério libera recursos para a realização da inspeção e o MNPCT divulga relatório sobre as condições dos presídios no Ceará [6]. Outro relatório é divulgado em setembro revelando tortura de presos por agentes de segurança nos presídios do Pará [veja aqui]. Vale notar os ataques do governo às políticas de combate à tortura: em junho, Bolsonaro exonera peritos do MNPCT e proíbe vinculação com sociedade civil organizada [veja aqui], em outubro, ele chama de ‘besteira’ as denúncias de tortura em presídios [veja aqui] e, em dezembro, o Ministro da Justiça edita portaria que ignora recomendações do MNPCT [veja aqui].
Leia as análises sobre as violações aos direitos humanos nos presídios do Ceará constatadas pelo MNPCT e sobre a tortura como elemento estrutural do sistema prisional.