No último mês do ano, a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) publica nota anunciando que não tem recursos para cumprir os pagamentos de mais de 200 mil bolsas e auxílios no mês de dezembro [1]. Em nota, o principal órgão público de fomento da educação do nível superior do país, cita os bloqueios realizados pelo governo em seu orçamento, em especial o último [veja aqui], como as causas da total falta de recursos [2]. O órgão ressalta que foi ‘surpreendido com a edição do Decreto n° 11.269, de 30 de novembro de 2022, que zerou por completo a autorização para desembolsos financeiros durante o mês de dezembro’ [3]. A Capes afirma que está sem capacidade de ‘honrar os compromissos por ela assumidos, desde a manutenção administrativa da entidade até o pagamento das mais de 200 mil bolsas, cujo depósito deveria ocorrer até amanhã, dia 7 de dezembro’ [4]. Horas antes, no mesmo dia, a equipe de transição de Lula, novo governo eleito, diz em coletiva de imprensa que o atual governo não teria recursos para pagar os 14 mil residentes de hospitais federais [5]. A equipe estipula que serão necessários cerca de R$480 milhões para impedir o ‘apagamento da educação’ no fim do ano, isto é, o paralisamento de grande parte de atividades da pasta, como interrupção de bolsas em curso e paralisação de universidades [6]. Em reação, estudantes de pós-graduação, que serão afetados diretamente com o atraso, se mobilizam nas redes sociais e em manifestações presenciais em diversas cidades pelo país contra a política fiscal da educação superior do governo Bolsonaro [7]. Bolsistas de pós-graduação são responsáveis por mais de 80% de toda a ciência do país [8], porém as bolsas não têm reajuste desde 2013 e exige, com poucas exceções, dedicação exclusiva do pesquisador, constituindo como sua única fonte de renda [9]. No dia do anúncio da Capes, a União Nacional dos Estudantes (UNE) e outras entidades estudantis entram com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para obrigar que o governo assuma os compromissos do pagamento de bolsas que estão em curso [10]. Diante da repercussão, o Ministério da Educação (MEC) anuncia no dia 08 que liberará os recursos e que pagamento de bolsas deverá ocorrer até o dia 13 [11]. Vale lembrar que em 2022, o governo realizou diversos bloqueios das verbas da educação, como os feitos em maio [veja aqui], em outubro[veja aqui] e o mais recente, que resultou no atraso das bolsas, em novembro [veja aqui]. A política fiscal do governo Bolsonaro resultou na gestão que mais cortou no orçamento da educação e da ciência em vinte anos [veja aqui].
Saiba mais na análise sobre as idas e vindas do orçamento da educação em 2022, leia relatos de bolsistas diante das incertezas de dinheiro para subsistência e veja outros ataques à liberdade acadêmica no governo bolsonaro
Durante a cerimônia de posse do presidente Jair Bolsonaro, a circulação de jornalistas no local é restringida, sob a justificativa de ser uma ‘posse diferenciada’ [1]. O evento é marcado por hostilidades a jornalistas, que recebem orientação de chegar às 7h no local, mesmo com o horário da cerimônia marcado para às 15h, são impedidos de ter livre circulação, ficam com acesso limitado a água e banheiros e recebem ameaças constantes em relação ao desrespeito às regras determinadas [2]. Na posse dos presidentes anteriores, os repórteres se misturavam com a equipe recém-empossada e a do governo anterior, com acesso livre ao local [3]. As restrições impostas geram indignação por parte de entidade de representação nacional dos jornalistas [4], associações vinculadas à imprensa [5] e do jornalismo [6], bem como da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), manifestando repúdio ao tratamento desrespeitoso aos profissionais. Ao longo de seu governo, Bolsonaro promove uma série de ataques à imprensa, como editar medida provisória dispensando o poder público de publicar atos administrativos em jornais de grande circulação [veja aqui], excluir a Folha de São Paulo do edital de licitação do governo federal [veja aqui], e publicar vídeo em que ataca emissora e ameaça liberdade de imprensa [veja aqui]. No ano seguinte, o presidente afirma que jornalistas são ‘espécie em extinção’ [veja aqui] e acusa a imprensa de faltar com a verdade, ocasionando a suspensão da cobertura jornalística do Palácio da Alvorada em razão das hostilidades [veja aqui].
Leia a análise sobre a relação conflituosa de Bolsonaro com a imprensa, que começou até antes de sua posse.
Durante cerimônia, Damares Alves, Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, afirma que está inaugurada ‘uma nova era no Brasil’ na qual ‘menino veste azul e menina veste rosa’ [1]. No dia seguinte, a ministra afirma que a frase é uma ‘metáfora’ e que o governo vai ‘respeitar a identidade biológica das crianças’ e defende que a ‘ideologia de gênero’ não seja discutida nas escolas [2]. A secretaria do Ministério dos Direitos Humanos apoia Damares e diz que a ideia não é construir ‘uma outra identidade esquizofrênica’ dentro da criança, mas ‘respeitar o que é natural naquele ser humano’ [3]. A declaração da ministra gera grande repercussão nas redes sociais [4], inclusive entre celebridades, que a ironizam [5], e enseja a canção crítica ‘Proibido o Carnaval’ produzida por Caetano Velloso e Daniela Mercury [6]. A música é dedicada ao ex deputado federal Jean Wyllys, que desistiu do mandato após ameaças de morte [veja aqui]. O presidente Jair Bolsonaro deprecia a produção [veja aqui]. Em outros momentos, Damares diz que discutir gênero causa sofrimento em jovens [veja aqui], o Itamaraty orienta diplomatas sobre gênero ser apenas sexo biológico [veja aqui], o ministro da Educação extingue a secretaria de promoção da diversidade [veja aqui] e o Ministério da Educação (MEC) envia comunicado sobre ‘não doutrinação’ para secretarias estaduais e municipais de ensino [veja aqui]. Além disso, Bolsonaro pede ao MEC projeto de lei (PL) para proibir ‘ideologia de gênero’ [veja aqui] e, em 2020, anuncia PL que veda a discussão de gênero nas escolas [veja aqui].
Leia as análises sobre a origem da associação de cores e gênero, qual a relação entre a ‘ideologia de gênero’ e o governo Bolsonaro e quais os impactos das políticas do governo sobre a pauta de gênero
O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, na posse do secretário estadual da Polícia Civil declara que o estado ‘precisa ter sua Guantánamo’ para prender pessoas acusadas de tráfico de drogas [1]. A fala faz referência a uma prisão norte-americana sediada na base naval de Guantánamo em Cuba, a qual é utilizada para aprisionar pessoas acusadas de terrorismo e é amplamente conhecida por denúncias de graves violações de direitos humanos [2]. Em outras oportunidades, o governador se posiciona contrariamente ao direito das pessoas presas à visita íntima [veja aqui], defende a internação compulsória de pessoas em situação de rua [veja aqui], elogia o aumento do número de mortes pela polícia [veja aqui], diz que ‘política de segurança está no caminho certo’ a despeito da morte da menina Ágatha Félix pela polícia [veja aqui], e propõe o fechar o acesso de comunidades como suposta medida de segurança pública [veja aqui].
Leia análise que explica os motivos pelas quais a prisão de Guantánamo é polêmica
Em reação à reportagem do jornal Metrópoles, cuja manchete afirma que o presidente Jair Bolsonaro teria bloqueado Fernando Haddad (PT) nas redes sociais após discussão entre os dois, o presidente escreve no Twitter que: ‘Não há nenhum limite de alguns setores da mídia para inventarem mentiras 24h por dia sem a menor preocupação com a informação’ [1]. O jornal atacado responde que a apuração foi feita com base no sumiço de comentário de Haddad em publicação do presidente e nas políticas do Twitter [2]. Porém, a reportagem assume que a informação foi divulgada com base em indícios e que não havia como comprová-la e que, ao contatar Fernando Haddad, o político não pôde confirmar o que ocorreu, mas suspeita que tenha sido bloqueado em algum momento [3]. Os ataques de Bolsonaro à imprensa são frequentes, até março, a cada três dias, a imprensa é alvo de postagens críticas e irônicas do presidente em sua conta do Twitter [4]. Em outros momentos, Bolsonaro afirma que jornalistas são ‘espécie em extinção’ [veja aqui], responde agressivamente [veja aqui] a repórteres [veja aqui], levanta suspeita de conspiração midiática contra seu governo [veja aqui] e defende boicote a veículos de imprensa [veja aqui]. Além disso, o presidente também compartilha notícia falsa da jornalista Constança Rezende [veja aqui] e insulta com insinuação sexual a repórter Patrícia Campos Mello [veja aqui]. Ao longo de 2019, Bolsonaro profere 116 ataques à imprensa [veja aqui].
Leia as análises sobre a violência contra jornalistas em 2019 e quais os limites que Bolsonaro ultrapassa quando briga com a imprensa
A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH), Damares Alves, defende, em vídeo divulgado nesta data [1], que ‘a igreja evangélica perdeu espaço na história’ em detrimento da ciência e, em especial, com a entrada da teoria evolucionista nas escolas [2]. A mensagem é criticada pela diretora da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, que defende o método científico e alerta para os riscos de ‘misturar fé com ciência’ [3]. Em nota, o MMFDH responde que ‘a declaração ocorreu no contexto de uma exposição teológica que não tem qualquer relação com as políticas públicas que serão fomentadas’ [4]. Dois meses depois, em discurso na ONU, Damares realiza defesa da vida desde a concepção [veja aqui] e, em novembro, anuncia canal de denúncias para questões contra moral, religião e ética nas escolas [veja aqui]. Vale notar que outros ministros do governo acumulam episódios de ataques à produção científica, em especial, contra pesquisas sobre meio ambiente [veja aqui], mudanças climáticas [veja aqui], estudos de gênero [veja aqui] e conhecimento produzido por acadêmicos de esquerda [veja aqui]. A pauta evangélica também é valorizada pelo presidente que, no ano seguinte, anuncia que irá indicar evangélico para o cargo de ministro do Superior Tribunal Federal [veja aqui].
Leia análise sobre os impactos da defesa do criacionismo, alternativa à teoria evolucionista, para a produção científica
Marcus Vinicius Rodrigues, indicado para presidir o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), declara em entrevista que o ‘dono’ do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) é o presidente Jair Bolsonaro e que a ele cabe decidir sobre as mudanças na prova [1]. Rodrigues é indicado ao cargo depois que o governo exonera a presidente do Inep em razão das críticas de Bolsonaro ao Enem de 2018 que apresentava vocabulário LGBT [veja aqui]. Rodrigues também afirma que a prova pode sofrer alterações visando melhorias na qualidade, no custo e para que trate do que é importante para o ‘futuro profissional do aluno’ [2]. Em 22/01, ele é nomeado ao cargo [3]. Atualmente, o Inep tem independência na elaboração das avaliações e para que Bolsonaro possa acessar as provas previamente, seria preciso alterar as regras de segurança do Enem [4]. Vale notar que, em março, o governo adota medidas para interferir na prova ao criar uma comissão responsável por analisar suposta ‘ideologia de gênero’ nas questões, para que sejam excluídas [veja aqui] e, em novembro, ocorre o primeiro Enem desde 2009 que não aborda temáticas como ditadura militar, recebendo elogios de Bolsonaro por não terem sido abordados temas ‘polêmicos’ [veja aqui].
Leia a análise sobre os limites de interferência de um presidente nas provas do Enem.
O deputado federal Jean Wyllys (PSOL) desiste do mandato e deixa o Brasil, após ser alvo de ameaças de morte, que se intensificaram com o atentado contra o Presidente Jair Bolsonaro durante as eleições, pois Wyllys era falsamente relacionado ao crime [1]. Desde a execução da vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco (PSOL), Wyllys vivia sob escolta [2]. Wyllys pautava a agenda LGBT e apoiou os governos Lula e Dilma, o que intensificava as animosidades com apoiadores do governo Bolsonaro e era alvo de notícias falsas envolvendo pedofilia [3] e o inexistente ‘kit gay’ [veja aqui]. Nas redes sociais, Bolsonaro escreve ‘Grande dia!’ e, mais tarde, nega que tenha sido em referência a Wyllys, e o vereador Carlos Bolsonaro (PSC) publica ‘Vá com Deus e seja feliz!’ [4]. Deputados aliados ao governo comemoram a saída do Parlamentar [5]. O vice-presidente Hamilton Mourão afirma que Wyllys informou apenas de forma genérica as ameaças que havia recebido [6]. O deputado relata que, apesar das denúncias feitas, a Polícia Federal não avançou nas investigações das ameaças [7]. Figuras públicas [8] e o Presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM) [9] lamentam a saída de Wyllys. Em outras oportunidades, Bolsonaro chama Wyllys de ‘menina’ [veja aqui] [10]. Em 2020, Wyllys processa Carlos e Eduardo Bolsonaro por notícias falsas relacionadas ao atentado do Presidente [11] e afirma que Bolsonaro o tornou uma ‘espécie de inimigo’ [12].
Leia a análise sobre o que é uma perseguição política
Representante dos alunos no Conselho Diretor do Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines) denuncia exclusão de vídeos do canal na internet TV Ines, vinculado ao instituto e que reúne programas em libras [1]. Os vídeos excluídos tratavam de biografias de filósofos e acadêmicos considerados ‘de esquerda’, como Karl Marx, Friedrich Engels e Marilena Chauí [2], além de programas com conteúdo sobre feminismo, população negra, indígena e uma entrevista com o ex-deputado Jean Wyllys [3]. Antes da retirada dos vídeos, já havia circulado uma lista de ‘programas proibidos’ entre os funcionários do canal [4]. A TV Ines é mantida pelo Ministério da Educação (MEC) e as exclusões ocorrem no mês em que Ricardo Vélez Rodríguez, que defende alteração dos livros didáticos [veja aqui], assume o cargo. Após a constatação das exclusões, o Ines instaura sindicância para averiguar a retirada dos vídeos e afirma que eles serão reinseridos no site [5]. Apesar do MEC ter alegado que a apuração preliminar identificou que os vídeos foram retirados em 2018 [6], o histórico do site permite verificar que os vídeos ainda estavam presentes no início de janeiro de 2019 [7]. O episódio se alinha a outros de combate a determinados temas na educação, como pedido para recolhimento de livros de literatura de escolas em Rondônia [veja aqui]. Ressaltem-se, ainda, declarações do presidente Jair Bolsonaro de que a TV Escola ‘deseduca’ [veja aqui], que livros didáticos são ‘amontoado de muita coisa escrita’ [veja aqui] e do Ministro da Educação ao anunciar extinção da secretaria da diversidade e prometer combate ao marxismo [veja aqui].
Leia a análise sobre as características de censura nas exclusões de conteúdo na TV Ines.
Durante entrevista em programa de TV, ao ser questionado sobre sua opinião em relação ao seringueiro e ativista ambiental Chico Mendes [1], o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, responde: ‘É irrelevante, que diferença faz quem foi Chico Mendes neste momento’ [2]. Após receber críticas pela fala, o ministro afirma nas redes sociais que ‘no campo dos esquerdopatas tudo é pretexto para não trabalhar’ e que não quer discutir sobre o Chico Mendes, pois seria ‘improdutivo’ [3]. A filha de Chico Mendes, Angela Mendes, afirma que Salles conhece a história de seu pai, mas ‘trata com menosprezo’ e minimiza sua importância, contribuindo para os interesses do agronegócio e grandes empreendimentos [4]. Angela se refere a Salles como ‘ministro da mineração’ e diz preocupar-se com a política do governo Bolsonaro, que afeta populações fragilizadas, como as comunidades indígenas [5]. As falas de Salles estão inseridas no contexto de desmonte da política ambiental promovido pelo governo federal em 2019, com a redução de multas ambientais [veja aqui], exoneração de funcionários em órgãos de fiscalização [veja aqui] e pesquisa [veja aqui], responsabilização de indígenas [veja aqui] e ONGs [veja aqui] por queimadas na Amazônia e contestação de dados científicos [veja aqui]. Soma-se ao quadro, a oposição à demarcação de terras indígenas [veja aqui], a defesa da exploração de atividades econômicas nessas áreas [veja aqui] [veja aqui], a legitimação da ação de madeireiros [veja aqui], e o beneficiamento do setor ruralista [veja aqui] [veja aqui].
Leia mais sobre a história de Ricardo Salles e Chico Mendes e veja a trajetória de luta do seringueiro e como impactou o ativismo ambiental